sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

estórias da Terra- Manuel da Silva Gonçalves

"O diabo que tocava o sino"
Era tradição no sábado de aleluia tocar-se o sino depois da meia-noite, mais propriamente no domingo de páscoa, até de madrugada ou até que os moradores mais próximos da capela  esgotassem  a paciência e nos solicitassem para pararmos pois precisavam de descansar. Esta é uma manifestação de regozijo para os crentes na ressurreição de Jesus Cristo e é tradição em toda a região beirã.
 Numa dessas noites, depois de termos jogado uma partida de futebol no largo da escola ao luar, pois energia elétrica ainda não havia, resolvemos ir tocar o sino ao Monte Carreto.
Claro que esta ousadia não passava de uma provocaçãozita para com os habitantes daquela aldeia vizinha!
Mas a coisa tinha de ser bem engendrada…
Devíamos ser para uns quinze malandros. Alguém arranjou uns metros de cordel de atar os fardos do feno e pelas duas ou três da manhã aí vamos nós a pé pelos trilhos e caminhos rurais. Quando nos aproximámos da capela da aldeia vizinha, vimos que havia meia dúzia de jovens locais à volta de uma pequena fogueira. Sem que nos tenham visto, escondemo-nos num terreno próximo e, pacientemente, esperámos que o grupo dispersasse e recolhesse às suas residências. Assim aconteceu. Quando se afastaram o suficiente para não darem pela nossa presença, passámos à ação. Acompanhado por dois ou três companheiros subimos a escadaria exterior que nos levava até ao sino e atámos o cordel ao badalo. Depois foi só desenrolar o cordel até passar o muro do quintal mais próximo onde tinha ficado o resto da equipa escondida no meio do centeio. Antes de regressarmos ao grupo, um de nós deu uma valente “carreirinha” do género “tocar a rebate” e depois, de forma mais espaçada e com adequada cadência, o sino tilintava o dlim-dlão cada vez que o cordel era puxado.
Aconteceu aquilo que prevíramos…
Os jovens residentes que momentos antes tinham estado à volta da fogueira começaram a regressar à capela, assim como outros residentes, para tentar perceber o que se estava a passar.
Dizia uma das raparigas:  “ Isto é o diabo! Então o sino toca sozinho, é o diabo!”
Imaginam o gozo que esta cena nos deu.
Quando os pasmados moradores se aproximaram o suficiente, nós, os diabretes, largámos o cordel e fugimos para não sermos reconhecidos.
                                                                              Manuel da Silva Gonçalves

6 comentários:

Anónimo disse...

...e à "santa saída da missa",no domingo de páscoa, foi do bonito!!... O pessoal do Monte Carreto não gostou da coisa.
Pelo que, no ano seguinte, repetímos a façanha que também se alargou ao Monte Soito.
Outros tempos!! Outras distrações!!

Zé Domingos

Anónimo disse...

tenho a impressão que nesses tempos vocês eram um autêntico gangue!!!!

Manuel da Silva Gonçalves disse...

Na qualidade de autor do texto, recomendo ao anónimo alguma pesquisa sobre o significado do vocábulo "gangue". Relatei uma brincadeira perfeitamente inócua a exemplo de mais duas que estão por publicar.
Cultive-se!

Anónimo disse...

seriam então uns "bardinos"!!! no bom sentido claro!!!

Júlio Manuel Antunes Pissarra disse...

Manuel, gostei. Estória divertida e simpática. Aliás devo dizer que esse tipo de brincadeira, pelos vistos, tem passado de geração em geração. Digo isto porque o meu pai (José Pissarra) já por diversas vezes me contou que na juventude dele essa era uma das aventuras preferidas da "Malta" de Vila Mendo.
Abraço.

Anónimo disse...

Isso é que eram tempos..loucos mas sudáveis..