sexta-feira, 19 de setembro de 2014

estórias da Terra- Manuel Silva Gonçalves

O diabo que tocava o sino
Era tradição no sábado de aleluia tocar-se o sino depois da meia-noite, mais propriamente no domingo de páscoa, até de madrugada ou até que os moradores mais próximos da capela esgotassem a paciência e nos solicitassem para pararmos pois precisavam de descansar. Esta é uma manifestação de regozijo para os crentes na ressurreição de Jesus Cristo e é tradição em toda a região beirã.
Numa dessas noites, depois de termos jogado uma partida de futebol no largo da escola ao luar, pois energia elétrica ainda não havia, resolvemos ir tocar o sino ao Monte Carreto.
Claro que esta ousadia não passava de uma provocaçãozita para com os habitantes daquela aldeia vizinha!
Mas a coisa tinha de ser bem engendrada…
Devíamos ser para uns quinze malandros. Alguém arranjou uns metros de cordel de atar os fardos do feno e pelas duas ou três da manhã aí vamos nós a pé pelos trilhos e caminhos rurais. Quando nos aproximámos da capela da aldeia vizinha, vimos que havia meia dúzia de jovens locais à volta de uma pequena fogueira. Sem que nos tenham visto, escondemo-nos num terreno próximo e, pacientemente, esperámos que o grupo dispersasse e recolhesse às suas residências. Assim aconteceu. Quando se afastaram o suficiente para não darem pela nossa presença, passámos à ação. Acompanhado por dois ou três companheiros subimos a escadaria exterior que nos levava até ao sino e atámos o cordel ao badalo. Depois foi só desenrolar o cordel até passar o muro do quintal mais próximo onde tinha ficado o resto da equipa escondida no meio do centeio. Antes de regressarmos ao grupo, um de nós deu uma valente “carreirinha” do género “tocar a rebate” e depois, de forma mais espaçada e com adequada cadência, o sino tilintava o dlim-dlão cada vez que o cordel era puxado.
Aconteceu aquilo que prevíramos…
Os jovens residentes que momentos antes tinham estado à volta da fogueira começaram a regressar à capela, assim como outros residentes, para tentar perceber o que se estava a passar.
Dizia uma das raparigas: “ Isto é o diabo! Então o sino toca sozinho, é o diabo!”
Imaginam o gozo que esta cena nos deu.
Quando os pasmados moradores se aproximaram o suficiente, nós, os diabretes, largámos o cordel e fugimos para não sermos reconhecidos.           
 Manuel Silva Gonçalves

6 comentários:

Anónimo disse...

Bela partida que pregaram aos vizinhos! Coitados!

Anónimo disse...

tempos de brincadeiras saudáveis e originais..

Anónimo disse...

Se a juventude de agora tivesse arte e engenho para engendrar uma brincadeira desteb tipo a sociedade estaria muito melhor: só lhes dá para a asneira que prejudica os outros ou a eles próprios

Anónimo disse...

Nesses tempos Vila Mendo fervilhava de vida. que saudades... Belas memórias, belos tempos, pelo menos em parte.

hp disse...

Parabéns Luis Filipe, por este e tantos outros postes que ajudam a conhecer a tão bonita terra de Vila Mendo-Helder Pires ("as couves do vizinho")

Luís Filipe Gonçalves Soares disse...

Obrigado Hélder Pires. Tenho seguido também, com especial interesse, o seu blogue "as couves do vizinho". Partilho o elogio e o mérito vai todo para aqueles que têm aceite o desafio de partilhar as suas vivências, as suas memórias... enfim um pouco de si mesmos...