sexta-feira, 10 de março de 2017

Entrevista a Berta Carreira

Berta Alexandra Neta Carreira nasceu na primavera de 1984, na Guarda.
Passou a infância na sua aldeia, o Adão, onde teve acesso ao Jardim de Infância e à Escola Primária. Seguidamente frequentou o Colégio Dr. José Dinis da Fonseca, na Cerdeira, e a Escola Secundária Afonso de Albuquerque, na Guarda. No ingresso ao Ensino Superior optou, apesar de tudo, por um curso que lhe permitisse ser professora. Licenciou-se na Universidade do Minho e fez o mestrado em Ensino do Português e do Espanhol na Universidade da Beira Interior. Iniciou a atividade profissional em 2008, na cidade natal, onde trabalhou durante quatro anos, mas atualmente leciona numa escola do Porto.

Apaixonada pela literatura, cinema, teatro, música (clássica)... Aprecia os silêncios... a tranquilidade da serra e os assomos de paz que o mar lhe transmite. Adora as boas conversas com a família e amigos, não enjeitando uma boa viagem e o contacto com pessoas de diferentes culturas.
Colaborou no último Caderno de Memórias da nossa Associação e já lhe estamos a preparar novos desafios aproveitando o facto de estar e ficar "mais entusiasta desta aldeia"...

Enquanto professora, como vês a Educação em Portugal? 
Ai, a Educação, a Educação… dá sempre uma certa nostalgia pensar que a Educação de hoje não é a mesma da nossa infância, em que éramos tão certinhos, tão obedientes e respeitadores… Mas pensar como o Velho do Restelo não faz parte de mim, até porque seria culpar a geração que está a educar (que é a influência/modelo) e não as crianças e os adolescentes. 
A sociedade de hoje é marcada pela tecnologia e, consequentemente, por um ritmo diferente do nosso tempo – muito se tem perdido, outros interesses ganham protagonismo; cabe-nos ter a necessária sensibilidade e flexibilidade para entender as novas gerações e pugnar pelos valores basilares. 
O respeito por nós próprios, o respeito pelos outros, pelas diferenças, a responsabilidade e o compromisso social devem ajustar-se às novas vicissitudes, mas têm de ser o foco da Educação, independentemente de tudo. 
Aos professores, em particular, os novos tempos exigem as mais diversificadas estratégias e uma renovação constante das suas práticas. Os meus alunos são muito diferentes dos tempos em que fui estudante, logo, não posso seguir o modelo tradicional de ensino. 
Os diversos agentes educativos têm reunido esforços para se adaptarem à nova geração, numa tentativa constante de despertar a criatividade, a imaginação e a esperança numa sociedade melhor. As crianças e os jovens de hoje têm um enorme potencial, mas nada se consegue sem esforço e exigência. 

Quais os principais problemas que detectas no sistema de ensino? 
O sistema de ensino protege, em demasia, os alunos, ou seja, com o tempo tenho sentido um acréscimo de trabalho para o professor em detrimento daquilo que é exigido ao estudante. 
O sistema de ensino vive em função de resultados, negligenciando as aprendizagens. A “cultura dos números e da nota” leva a um excesso de carga burocrática, que se agrava quando os resultados não vão ao encontro das metas estabelecidas. Cabe ao professor encontrar novas estratégias para fazer face aos resultados, os alunos nunca são chamados a refletir sobre o trabalho que (não) desenvolvem. 
Outro problema do sistema de ensino, ao que a sociedade em geral é solidária, é a instabilidade da carreira docente, condicionando a vida dos professores (como a minha, por exemplo) e a dinâmica das escolas. 
Mas vou inverter o registo da entrevista… 
No meu dia a dia centro-me mais nos pontos fortes da escola – no esforço e na curiosidade audaciosa de muitos alunos, na dedicação dos meus colegas, no carinho com que muitos assistentes operacionais tratam os alunos, sabendo o seu nome, e no esforço diário das direções escolares para fazer cumprir as sucessivas políticas educativas a que o sistema educativo tem sido sujeito. 

Leccionas numa zona populosa do litoral. Notas diferenças entre essa zona e o interior, o nosso interior, a nossa Guarda? 
Ao nível da escola, não sinto muita diferença – tenho alunos dedicados, curiosos, com bons resultados, tal como tive na Guarda, e tenho outros grupos que exigem um jogo de cintura constante, aos que tenho que incentivar em cada aula, porque a escola pouco lhes diz. Leciono há três anos no Agrupamento de Escolas do Cerco, uma escola inserida num bairro peculiar da cidade, em que há uma grande maioria de alunos com interesses muito divergentes dos escolares. Na Escola Básica de Santa Clara também contactei com estas problemáticas, mas numa escala menor. 

Faz parte dos teus planos, a curto prazo, aproximares-te da Guarda, no exercício da tua profissão, ou não? Porquê? 
Por agora o Porto preenche-me pessoal, profissional e culturalmente. A minha ligação ao norte começou desde cedo, quando fui estudar para Braga; há cinco anos tive necessidade de alargar as opções no Concurso Nacional para garantir horário anual e completo. No Grande Porto terei muito mais possibilidades de colocação do que no distrito da Guarda, por exemplo. 
Parafraseando Agustina Bessa Luís, “Vivo aqui, mas o Porto não é para mim um lugar; é um sentimento”; sinto-me em casa na Invicta, mas o meu sentimento pela cidade que me viu nascer não saiu menorizado, antes pelo contrário. À distância agudizam-se as saudades da família, dos amigos, da hospitalidade, dos sabores e até do frio e damos mais valor… São cidades muitos distintas, aproveito o melhor de cada uma… 

Como vês o futuro das comunidades rurais em geral e do Adão em particular? 
Os meus pais pensam mais no futuro da aldeia do que eu; quando morre alguém, por exemplo, comentam com tristeza a perda, denotando, também, uma certa preocupação pelo número de habitantes que tende a diminuir. 
Sou sensível à preocupação dos meus pais, que reflete a da maioria que vive nos meios rurais. De facto, é difícil inverter o êxodo rural e, inevitavelmente, o desinvestimento a que as aldeias estão sujeitas. 
No meu caso, como estou fora, não projeto o dia a dia no Adão ou noutra comunidade rural…Associo o Adão a fins de semana, a férias, a festas e a convívios, e sei que a este nível as comunidades rurais vão continuar a ser as melhores. 

Viver permanentemente na Guarda- no Adão- está nos teus horizontes? 
Para além do que já fui dizendo nas perguntas anteriores (4 e 5), sou, também, muito nova para projetar a minha vida num determinado lugar permanentemente. 

Que te diz Vila Mendo? 
Vila Mendo é a terra natal da minha avó, e dizem que sou parecida com ela, logo sou parte de Vila Mendo. 
Recordo, ainda, as festas de agosto, onde ia com os meus pais e avós quando era criança. Éramos recebidos, com entusiasmo, na casa dos primos Pissarra e Corte Gonçalves; a convivência alegre e saudável entre a família era à volta de uma mesa farta em que cada iguaria era preparada em casa na azáfama do dia anterior. 
O Presidente da Associação Cultural e Recreativa, Filipe Soares, com o Caderno de Memórias, reaproximou-me da sua capital, despertando as minhas memórias…Sou, agora, mais entusiasta desta aldeia…

2 comentários:

Anónimo disse...

Não se compreende que um professor ainda por cima jovem tenha de sair da Guarda para dar aulas quando o os professores das escolas de cá estão envelhecidos. Depois querem que os jovens voltem.

Anónimo disse...

as universidades estão no litoral, a juventude vai para lá cria afinidades e fica. os trabalhos estão no litoral, os jovens que já lá estão ficam como é obvio e o interior vai morrendo, simoles.