(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 21 de Novembro)
A vida insufla-se de profundas e profusas experiências e vivências, de um sem fim de momentos, de instantes; pequenos lampejos que afluem para o todo do Ser… e nos ajudam a ser.
De facto, aquilo que somos hoje (e aquilo que seremos no futuro- que é sempre presente) com o nosso pensar, o agir e o sonhar, somo-lo com todo o nosso passado inteiro: ainda que dele entendamos uma ínfima parte, e recordemos só uma fracção desse entendimento…
Neste tempo de apressamento verborreico, as pessoas procuram já não só viver os momentos, mas os instantes (fugazes), numa instantaneidade voraz e incapaz de um enquadramento na vida (toda) de cada qual. E sem este enquadramento dos instantes tudo é passado, nada é presente e o futuro é vazio, porque ilusório. Ficamos como que inebriados no nada dos instantes… que já passaram. Para que possamos dar conteúdo e sentido e fim ao tempo (logo à nossa existência como tal) precisamos de os presentificar- uma presentificação dos instantes- de todos os instantes: os do presente através da atenção crítica, reflexiva (do agora); os do passado pelo lembrar, pelo recordar lúcido e analítico; e os do futuro pela expectativa real (pincelada com um toque emocional).
Todos esses instantes (que serão momentos e depois talvez experiências) convivem connosco e não devem ser espartilhados, sectorizados. Tudo o que em nós se passa deve ser englobado e analisado… na totalidade de toda a vida! Se vivermos, se reduzirmos o existir à simples soma de sucessivos instantes sem lhe conferirmos um sentido temporal, ficamos continuamente seus reféns, aprisionados, incapazes de horizontalizar e perspectivar a Presença, esquecendo-nos (paradoxalmente) de nós próprios, de Ser verdadeiramente.
Importa então que os instantes se transformem em momentos, e estes se transcendam em realizações significantes e impactantes na vida pessoal e social de cada um: que gerarão experiências, que por sua vez gerarão outras, e outras… num eterno ciclo de enriquecimento- comum.
Para aqueles que tiveram e fizeram experiência de Seminário, este exercício de contínuo rememorar contextualizado e balizado, de contínua memória- que não é (só) passado, mas presente vivo- reveste-se de plena centralidade na sua existência como tal. As vivências (e sem se categorizarem maniqueisticamente) decerto foram producentes, umas; contraproducentes outras; inócuas (?) bastantes. Mas o resto da nossa vida o que é senão o conjunto de tudo isso, e mais do que isso, e isto, e aquilo, e tantos “es”?!. O rememorar, ainda que se configure com mostras de imaginação, alguns laivos de ficção, confirma- nos claramente na nossa identidade.
Podemos mesmo afirmar que do seminário aflora (tantas e tantas vezes em tantos) uma identidade luzente, perpassando as contínuas gerações de seminaristas dos seminários do Fundão e da Guarda (com certeza de outros seminários). Uma forma de ser. estar. permanecer. Em comunhão fraterna, connosco próprios e com o mundo. Uma identidade radicular que desfolha o bem-comum.
Uma espécie de identidade-seminarística, seminal! Que dá valor e cultiva o sereno Aguardar: o aguardar que não é passivo, não é desistido, muito menos improdutivo, pelo contrário; o aguardar que espera, sim, mas que acompanha (diligente) o Outro na longa e dura caminhada da vida comum; o aguardar que é justo e que é esperança (real, actuante) num tempo melhor.
O Seminário está connosco… sempre. Ainda que o não saibamos, ainda que não nos apercebamos bem, ainda que o não queiramos. Mais significante para uns, nem tanto para outros. Nunca indiferente. Mesmo que o quiséssemos: seria um combate permanente e pungente e inglório. (A indiferença, esse morrer na Vida!)
Ainda que as teias da amizade- desmaiadas pelas distâncias- se encontrem descosturadas muitas vezes, é no tear do tempo que teceremos- juntos- a manta da Vida-viva, o manto dum Mundo-sentido.
Aos Amigos seminaristas e a todos aqueles que fizeram e fazem (o) Seminário, um Abraço Fraterno.
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