sábado, 29 de março de 2025

esperar a Esperança

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 13 de Março)

Vivemos tempos conturbados (como o tempo anterior e o tempo por vir, provavelmente). Ansiamos por um mundo novo, amplamente idealizado (não raras vezes ideologizado). Queremos o (nosso) mundo, almejamos o Todo, mas esquecemo-nos do tudo, dos pequenos tudos que o constituem. E desanimamos, porque (quase) nunca logramos.
Profunda e profusamente contraditórios, oscilamos entre o optimismo inebriante e o pessimismo inoperante, nos entretantos vivemos. como podemos. como nos deixam. poder. Assoberbados, abismados pelo bombardeio mediático e imediato e errático e erróneo… ficamos azedos por o mundo ser- assim; por nós próprios sermos- assim; e nem a nós mesmos nos conseguirmos mudar. Somos humanos- não mais, não menos do que isso (que já seria muito, se o fôssemos enquanto humanidade).
E uma tristeza do pensamento aflora. Uma tristeza que vem do princípio dos tempos; que vem do princípio do tempo da humanidade e que ecoa… ressoa, bem lá do fundo. E dessa tristeza não nos podemos livrar, ainda que o quiséssemos…
Neste afã existencial, umas vezes tornamo-nos como que egoístas-passivos: vivendo a própria vida, fazendo as pequenas coisas dos dias e dias sem querer incomodar ninguém, nem que ninguém incomode. Numa perspectiva de que o mundo, os outros, farão; mais tarde ou mais cedo há-de acontecer, embora esperando sempre o pior.
Outras vezes tornamo-nos como que egoístas-activos: vivendo a vida a partir de nós e para nós; os outros, o mundo servem para demonstrar a excelsidade própria.
Outras ainda, ficamos híper-optimistas; num optimismo que se fica por isso mesmo: olhando a vida de uma perspectiva muito colorida e boa, e sem que tal ultrapasse o mero pensamento positivo. Pleno de intenção, vazio de realização.
Deste modo, talvez precisemos cultivar a esperança. A esperança real (seja lá o que isto for). A esperança que o Cristianismo (independentemente de crentes ou nem tanto) nos apresenta e propõe. Uma esperança que é ao mesmo tempo racional e utópica. Que nos permita dar dois passos para alcançar o objectivo, e quando lá chegados e não conseguido nos permita dar mais dois, e mais dois, e… Uma esperança que não espera, que é caminho e princípio de acção, mobilizadora e marcadamente dinâmica e agregadora de vontades. Que é emaravilhamento. Neste mundo demasiadas vezes desmaravilhado.
Precisamos de nos emaravilhar e fazer com que os outros se possam emaravilhar. Não podemos transformar o mundo como quereríamos e de repente, mas podemos transformar (um pouco) o nosso próprio mundo e o dos que connosco privam. Passo a passo. E se há uma infinidade de coisas que não controlamos e nada dependem de nós, comecemos pelas pequenas coisas que estão ao nosso alcance. Sem expectativas desmesuradas, mas com atitudes permanentemente renovadas.
Mas esta contínua renovação do pensamento-acção pode, por desgaste paulatino, levar a silenciosas desesperanças. Pelo constatar da inumanidade da humanidade, pela maldade e misérias presentes a todo o instante e que faz (num exercício de fingimento e de autoconvencimento social) desacreditar da bondade humana, e assim levar-nos a cair numa espécie de impercepção-consensual, na medida em que ao não querer ver das crueldades do homem, como que consensualmente e por vontade as pessoas (a comunidade, a sociedade) não percepcionam, não dão muita importância, não ligam ao mal que à volta graça e é evidente. Importa que elas (as desesperanças) não nos façam desistir; antes nos incitem a continuar; determinados; pontuando-as com o agir metódico de fazer o bem.
Esse “fazer o bem sempre” (Teresa de Saldanha) de que a política e os políticos deveriam beber- antes de tudo- nestes ciclos eleitorais que se avizinham e a todos desgastam…
Utopia? Claramente. Realismo? Obviamente.
A todo o momento e em todos os lugares (em Vila Mendo, na Guarda) necessitamos esperar a Esperança.

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