(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 11 de Setembro)
Nestes tempos altamente imediatistas em que se quer fazer mais e tudo, em que se quer produzir mais e tudo, não há tempo para a paragem. A voragem dos dias pressiona-nos a entrar numa espécie de espiral de excesso de informação, de estímulos, de impulsos de que o excesso de positividade é anunciador. A percepção, a realidade e a percepção da realidade tornam-se marcadamente fragmentárias, amplamente dispersas e dispersantes. A gestão do tempo torna-se quase como que um imperativo moral (sem moral, tantas vezes). Saltitamos de tarefa em tarefa para convencer os outros e a nós mesmos que fazemos muito, variado e bem (e fazemos também); para demonstrarmos ao mundo a nossa excelsidade…
Mas essa gestão tem implicações várias na atenção. Não na atenção digamos que superficial, embora ampla com que conseguimos executar e funcionalizar actividades múltiplas e com resultados meramente produtivos; mas com nulos ou poucos resultados criativos: estes só ao alcance da atenção profunda; que permite a reflexão, através do pensamento, por via do silêncio… que pode derivar do Tédio!
Um Tédio que não é aborrecimento paralisante, antes pensamento-referente-em-acção. Um tédio que inaugura um tempo novo da atenção profunda de que germinará todo o processo criativo tão necessário à cultura, às artes, ao avanço técnico e civilizacional como tal. A pressa, a imediatez, o frenesim (por si sós) não gerarão nada de novo; limitando-se a apressar o já existente.
O Tédio que permite a atenção profunda que possibilita o escutar, que propicia o espanto, que se faz criação... Esse escutar tão arredado que está do nosso modo de vida tão ávido do Eu hiperactivo que não dá ao espaço ao Outro (esse Outro que também sou Eu). De facto, a capacidade de escuta é o primeiro e primordial passo para nos colocarmos no lugar dos outros, e com isso e com a serenidade subsequente evitarmos as maiores violências e barbáries com que somos assolados desde o início dos tempos.
Poderíamos então, quiçá, cultivar o tédio. Essa arte de nada fazer (e termos essa consciência, plena) para se fazer tudo (ou alguma coisa significante e transformante) depois.
Em jeito de nota sem o ser (sendo), também na política este tédio poderia ser cultivado. Em primeiro lugar na Guarda (não se nomeia aqui Vila Mendo!..). Que políticos somos- cada um de nós? Como nos posicionamos e como contribuímos, dentro das nossas possibilidades e impossibilidades e capacidades para o desenvolvimento da Pólis? Que políticos temos, desejaríamos ter, ou era melhor ter? Agora que chegam as eleições autárquicas e o frenesim que lhe subjaz, era tempo dos candidatos se imbuírem deste tédio, que lhe seria útil para aprimorarem a atenção profunda; no silêncio; escutando e reflectindo verdadeiramente; o que certamente lhes possibilitaria actuar na realidade (e até nas suas percepções) de maneira valorativa e transformativa- na comunidade que nos suporta e nos importa: a nossa Guarda. Aguardando isso, talvez não se deva aguardar por tal: é que até a esperança (utópica) tem os seus limites!..
E agora como nota mesmo: talvez se faça aqui uma análise geral às candidaturas à câmara da Guarda… se o tédio (não este de que se fala aqui, mas do outro useiro e costumeiro) não se apoderar do pensamento e dos pensamentos…
O Tédio… e o tédio…
Sem comentários:
Enviar um comentário