sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

o Homem e a Confiança e o Confiar

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 1 de Fevereiro)

A humanidade evoluiu na senda do conflito, da guerra, da opressão, do ódio, do menosprezo: físico e mental. E sobreviveu, apesar disso. E sobreviveu porque nesse e neste caos sempre houve a esperança (real ou nem tanto), a crença (fundada ou não), o desejo (tangível ou nem por isso) de que novos tempos novos viriam para aproximar as gentes e as comunidades, numa inaudita senda de prosperidade e paz. No fundo, uma fé- a Fé- com fé: Confiando. E a espaços e nos entretantos da História, a humanidade tem tido esse e esses tempos de confiança que lhe permitem as maiores resenhas e façanhas.
De facto, o acto de confiar impele imediatamente para a colocação do Outro ao nível do Eu. Propõe logo uma derivação empática que prefigura relações (ou pelo menos interacções) baseadas no respeito actuante e não dissonante. O confiar (e a sua acção traduzível), primeiramente individual e depois colectiva, levaria a que as diferenças entre comunidades, povos, sociedades fossem mais facilmente distendidas, dirimidas e resolvidas no tempo. Seguramente evitariam a fatalidade do desprezo pragmatizado nas mais inúmeras violências, nos séculos dos séculos.
Em Portugal (obviamente na Guarda) a inconfiança colectiva (marca identitária?) é, primordialmente, causa dos sucessivos atrasos históricos, das sucessivas crises e recrises, dos incessantes insucessos; causa das euforias inebriantes e logo das mais fundas turbações, dos sonhos idílicos e logo dos desânimos paralisantes. A falta de confiança mina toda a sociedade, projectando-a numa espécie de rolo compressor que quer expor e expor- tudo e todos- numa missão salvífica pela verdade que o que consegue, muitas vezes, é a exponenciação da mentira, do “disse-que-disse”, num ciclo vicioso de contínuo descrédito das instituições e pessoas.
Realmente, a confiança é o cimento primeiro que une e preconcebe as sociedades para um fim comum, partilhado e responsabilizado e esperançado. É através dela que podemos alcançar a excelência individual e colectiva. Sem confiar, não podemos operar realizações verdadeiramente transformativas no nosso país e na nossa cidade. Quem não confia, não se entrega, não dá mais de si, não espera muito do próximo. Um Portugal e uma Guarda superlativos necessitam desta quase que graça, de dar o melhor de si e esperar o melhor dos outros.
A política é sempre o exemplo: as pessoas não confiam nos governos e políticos em geral; estes parecem não ter em boa conta os cidadãos, pelo que ao milagre do surgimento da identidade pátria junta-se agora o milagre da sua continuação no hoje e no amanhã. A nossa contínua história “assolavancada” poderia ser suavizada se este desígnio de confiança fosse trabalhado e apurado. Sem confiar, o bem- estar social global tarda muito mais. Custa muito mais. Se chegar, algum dia…
Individualmente a confiança (agora aqui muito ligada à auto-estima) é fundamental para nos superarmos. Ela pressupõe um espírito forte, audaz capaz de operar na realidade mesmo correndo riscos. Mas (e se quisermos) este tipo de confiança não basta por si só para as tais transformações produtivas da sociedade. É preciso uma “exoconfiança”, uma Confiança-do-Outro; sermos capazes (sem ser ingénuos) de fiar-nos nas outras pessoas. É nesta relação umbilical de confiar em Mim e confiar no Outro que se geram realizações que irão transformar objectivamente as comunidades e o seu bem-estar.
A desconfiança produz indivíduos amargos, frios; induz medo, soturnidade, uma lugubridade existencial geradora (não raras vezes) de conflitos vários imanentes e permanentes; impõe o queixume maldizente, a inveja absorvente (outra marca identitária do português e guardense?); torna-nos profundamente vigilantes numa vigilância infeliz, ineficaz e improdutiva em todas as nuances da Vida.
Paradoxalmente, esta desconfiança generalizada na e da sociedade, não se apercebe que até os mais desconfiados confiam em pequenas coisas do dia-a-dia: confiamos nos alimentos e bebidas que ingerimos, nos medicamentos que nos curam, nos transportes que nos levam… e em tantas e tantas outras minudências. Não pensamos muito nisso, mas estas acções só são possíveis porque outras pessoas o proporcionam e ainda assim confiamos: será uma espécie de confiança-inconsciente, que doutro modo tornaria a vida num suplício, impossível de aguentar; e temos de a tornar consciente e… racional, levá-la a ocupar um papel central na nossa existência.
No confiar sopra o vento que nos guia para a frente, corajosamente, rijos apesar das provações do Caminho. Sopra a suave brisa da perseverança tenaz que nos possibilita uma audácia criativa, determinada neste mundo duro, por vezes deprimente; neste nosso mundo interior pungente…
Confiemos!

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