sexta-feira, 15 de março de 2024

as Eleições e os Partidos e a Democracia

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 7 de Março)

A poucos dias das eleições seria da mais elementar salubridade democrática que as comunidades e a sociedade portuguesa andassem empolgadas, concentradas e esperançadas num presente melhor, num futuro maior. Seriam desejáveis as fartas expectativas, os superiores créditos pelos debates… de ideias estruturantes, de posicionamentos disruptivos mas sensatos, de personalidades simples mas inspiradas e inspiradoras. Poderia ser esse o caso… mas o acaso em que sempre se encontra Portugal faz-nos pensar um ocaso impátrio!
De facto, as crises e recrises sistemáticas e sistémicas levam-nos a uma descrença, desconfiança, desconsideração pelas elites e eleitos; tanto mais grave porque até deixam de ser (só!) maldizentes para se tornarem indiferentes: pior do que dizer mal é nada dizer; como se aqueles fossem… uma não existência! Essa indiferença que não constrói e ainda por cima corrói as relações e as interacções da e na sociedade democrática portuguesa.
A inconfiança nas estruturas de poder (elas próprias desconfiadas de toda a estrutura social que as alimenta) não gera acções transformativas na comunidade que garantam um ganho de credibilidade que possibilitem essas mesmas acções regeneradoras. É um ciclo vicioso e pernicioso. Seja individual ou colectivamente, sem uma Confiança-do-Outro é impossível alcançar uma sociedade plural, justa, equilibrada e dinâmica; uma sociedade que não se teie no emaranhado de questiúnculas, de casos e casinhos, de invejas mesquinhas, de ânsia de poder e poderes mal-intencionados e pior operados.
Os partidos políticos (ainda garantes do sistema democrático) enredados e fechados sobre si mesmos não vão de encontro às necessidades e aspirações da gente comum. Promovem-se e promovem os seus numa lógica de circularidade fechada que não prima, tantas vezes, pela lógica da competência e da capacitação. Não admira o afastamento das pessoas da causa pública.
E as eleições que deveriam proporcionar tempos de reflexão e planeamento activo e construtivo, tornam-se num quase tormento; tanto é o ruído mediático e imediato. As querelas partidárias infindáveis, poucas vezes substantivas. Todos têm soluções para tudo, repetindo as receitas de sempre. Os chavões, os mesmos: esquerda/direita, extremistas/moderados, estabilidade/instabilidade, contas certas/deficit, etc.! As promessas, mais do que muitas, como hábito. Os temas repetem-se uma e outra vez sem que se vislumbrem resoluções efectivas: saúde, educação, habitação, imigração… (a política externa, a defesa nacional e a cultura, estranhamente, parecem arredados das preocupações). Uns acenam com isto, outros com aquilo e mais isso e o outro e… e nós é que não “apanhamos a cena”, já que os acenos e o cenário estão bem coreografados e montados. E os debates que poderiam ser esclarecedores, não o são; pelo contrário, ensurdecedores.
Aliás, este tipo de debates (para além de serem uma demonstração de teatralidade, com frases feitas e preparadas, poses, tons, nuances e semblantes) é também uma espécie de digladiação, um duelo em que cada um ataca com o que pode no tempo estabelecido. E a democracia já não é (ou deveria ser) isto. Opiniões diferentes, divergentes não têm de dar aso a conflitos imanentes e pungentes, como se a vida se esgotasse nessas “lutas”. Este fazer da política uma espécie de jogo de futebol em que os Meus têm de ganhar aos Teus por todos os meios e feitios (porque somos melhores, está claro) começa a não ter lógica neste tempo e modo civilizacionais em que nos encontramos. Os partidários nem se apercebem que eles próprios contribuem de sobra para a degradação democrática: na óptica deles o seu partido teria de ganhar ad aeternum e por isso escudam- no até ao limite do insano, votam sempre nele o que, em última instância, levaria- e se todos agissem como eles desejariam- à existência de um só partido- Único: o deles! É a coerência da incoerência!
Os partidos e logo nós (quer queiramos quer não, até porque ainda não se encontraram alternativas e formas e fórmulas a este sistema democrático) estamos numa encruzilhada. O modelo civilizacional ocidental (de matriz judaico-cristão é preciso dizê-lo) está a ser acossado por outras visões e imposições que, inusitadamente, são também fomentadas a partir de dentro (o wokismo anda por aí…) querendo minar esta herança cultural e com isso destruir (ou pelo menos desconstruir (intencionalmente ou não) este nosso modo de vida e de estar perante ela mesmo…
Além de tudo isto, a Democracia está e permanecerá em crise sempre que a degradação moral e de valores, a estupidificação constante e crescente, a simplificação bacoca, as soluções instantâneas e milagrosas, a mentira descarada, o engano propositado, a omissão sonsa, o bem-comum menorizado, o poder inebriado e endeusado… forem, todas elas, características e modos de actuar identitários dos partidos: os seus representantes e representados falam de mais; ouvem de menos e fazem… o que fazem! E parece que, historicamente, não há maneira de melhor fazerem!
Para onde vais Democracia? Para onde vamos nós; Todos?!.

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