sexta-feira, 21 de junho de 2024

a Contradição e o Anonimato e a Liberdade

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 13 de Junho)

Nós, Humanidade, somos contradição. Vivemos quase que permanentemente polarizados no sim ou não, no branco ou preto, no bom ou mau, no eu ou tu, no alegre ou triste, no feliz ou infeliz… somos assim e, por isso, assim Somos- verdadeiramente, e não mais e não menos, Humanos. É também tudo isso que nos define e nos imprime uma singularidade, uma perenidade no universo: somos assim e não sabemos se poderíamos ser de outra maneira!
Nesta imanente- quase que permanente, tantas vezes inconsequente, e ainda que a espaços rejuvenescente- contradição provamos a nossa humanidade, que cai e se levanta e caminha num eterno ciclo não circular, mas profundamente irregular (e errático também) e que nos permite ainda assim sermos felizes (sem nunca alcançarmos a felicidade como tal); provamos dos seus efeitos nefastos, sobejamente deprimentes e incapacitantes que se transmudam, com relativa facilidade, na estonteante capacidade do Mal-fazermos- ao Outro.
Da contradição “original, primordial”- de que emergimos enquanto Ser conscientes e capazes, ainda assim, de podermos fazer escolhas (melhores ou nem tanto) entre um infindável leque de decisões, tantas vezes omissões, com que nos deparamos continuamente na caminhada dura da existência- derivam todo um conjunto de pequenas (algumas delas inócuas) contradições, de pólos opositivos que se opõem, às vezes apõem e que nos condicionam e direccionam sobremaneira.
Uma dessas contradições poderá ser a visibilidade versus anonimato. De facto, num tempo de extensa e intensa exposição mediática em que quase todos querem ver, ser vistos e demonstrar as suas imensas singularidades e sabedorias é… curioso o anonimato; embora interessante perscrutar os seus motivos e anseios, as suas nuances e alcances. Fala-se aqui (só) do anonimato das redes sociais e suas peculiaridades, não daquele como forma de estar na vida sem a veleidade de deslumbramentos (ou daquele motivado por questões graves que representam perigos reais vários).
Se o anonimato se pode considerar (à partida) como um acto de liberdade (embora o conceito de liberdade careça de definição cabal e clara, até porque, se calhar, podemos nunca ser livres...), não é menos verdade que ele impacta sobejamente no Outro: quando serve para denegrir, ofender, levantar suposições rapidamente transformadas em suspeitas, e logo em culpas efectivas, ainda de que efectividade pouco ou nada haja…
As redes sociais são o espaço predilecto para os anónimos demonstrarem todos os males do mundo, e do seu pequeno mundo: tudo está mal; todos ou quase são incompetentes; todos ou quase estão pejados de intencionalidades más; as soluções mágicas; as desconsiderações mais do que muitas. E quando as motivações são ideológicas e partidárias temos a “cultura do anonimato” no seu esplendor… mais doentio, mais insidioso, mais contraproducente a transformações efectivas e afectivas na realidade, mais geradora de conflitos pungentes e permanentes.
Se num início o anonimato se pode considerar como um exercício de liberdade e da sua expressão própria, em instância última pode-se considerá-lo uma espécie de liberdade limitada, uma liberdade-truncada (logo uma não-liberdade) … O alvo dos anónimos também tem o direito de saber quem é a origem dos reparos. E quem faz os reparos não pode (não deve) definir-se, esgotar-se enquanto pessoa no anonimato e nos pareceres maldizentes subsequentes; não pode ficar numa suposta liberdade que não o liberta, só o enreda e aprisiona na penumbra, na amargura da existência como tal…
Contradições.

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