sexta-feira, 5 de junho de 2020

Entrevista a Carlos Varandas


Carlos Fernando Varandas Nunes- para muitos é o Carlos Varandas e para a família é o Carlos Fernando. Nasceu em Moçambique em 1968, veio para Portugal em Novembro de 1974, indo viver 1 ano na aldeia dos seus Pais, o Adão. É Profissional da Educação (Não Docente). Formador, Técnico Superior de Segurança no Trabalho. Vice-Presidente do Sindicato Técnicos Superiores Assistentes e Auxiliares de Educação. Coordenador da formação do Sindicato. Mestrado em Gestão com especialização Administração Pública- ESTG-IPG. Pós-Graduação em Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho- UBI. Licenciatura em Ciências Administrativas pela UFP.

Com formação na área da gestão, como achas que a economia (as pessoas) sairá desta crise?
A minha formação de base não é Gestão, mas sim Administração, só mais tarde é que fiz Gestão- Administração Pública. A economia e consequentemente as pessoas vão sair muito fragilizadas desta crise. As empresas estiveram estagnadas e/ou mesmo paradas durante muito tempo, o que acarreta custos fixos avultados, que terá consequência direta no emprego.
Vejamos que o INE publicou, no início do mês, a taxa de desemprego do 1º trimestre de 2020, que foi de 6,7%, valor igual ao do trimestre anterior e inferior em 0,1 pontos percentuais (p.p.) ao do trimestre homólogo de 2019. No entanto, este valor ainda não reflete os efeitos desta pandemia, cujos impactos se vão refletir com maior intensidade no 2º trimestre do ano, e repara que nos meses de janeiro e fevereiro a economia portuguesa estava a crescer, mas a partir da 2 metade de março foi sempre a descer.
De acordo com o Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho e Segurança Social, o número de desempregados inscritos nos centros de emprego, no continente, continua a aumentar. Após o fim do estado de emergência e a retoma de atividade por parte de algumas empresas, a 15 de maio, o desemprego registado atingiu o valor mais alto desde o início desta pandemia.
A 20 de Maio estavam inscritos 392.700 desempregados, que se traduzem num aumento de 24.395 inscrições (+6,6%), face a 20 de Abril. Entre 1 e 20 de Abril, o desemprego registou um aumento médio diário de 0,7%, enquanto que, entre 1 e 20 de Maio, esse crescimento foi de 0,3%. Apesar deste abrandamento, não se registava um valor tão alto desde Março de 2018 (393.335). No que diz respeito ao lay off o número de trabalhadores que se encontrava ao serviço de empresas que requereram lay off, continua a subir. Apesar de se registar um abrandamento do crescimento do número registado em Maio (1.325.635). Em suma acho que muitas entidades não voltarão a abrir portas, o que conduzirá muitos trabalhadores ao desemprego. Por seu lado, o aumento do desemprego leva a uma retração no consumo privado, sendo o consumo privado um dos fatores mais importantes ao nível de desenvolvimento macroeconómico o que se irá refletir mais uma vez nas empresas, o que produzirá assim uma bola de neve e por conseguinte uma taxa de desemprego na casa dos 10 a 12%, mesmo assim mais baixa do que aquela verificada no ano de 2012.

Enquanto Não Docente e formador, como analisas o ensino em Portugal, mormente o ensino para adultos?
Para terem uma ideia a taxa de abandono escolar precoce nas pessoas com idade entre os 18 e os 24 anos, que completaram pelo menos o terceiro ciclo do ensino básico e que não estudam nem recebem formação profissional fixou-se, em Portugal, em 2017, nos 12,6% e que compara com os 38,5% de 2006, este valor de 12.6 mostra que o ensino em Portugal tem vindo a melhorar e porque? 
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais, aprovado em finais de 2017, é claro: “Todas as pessoas têm direito a uma educação, uma formação e uma aprendizagem ao longo da vida inclusivas e de qualidade, que lhes permitam manter e adquirir as competências necessárias para participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho.” Isto foi ganho com o 25 de abril.
A educação necessita de ser mais abrangente – a preocupação não se pode limitar apenas aos aspetos formais e burocráticos. É fundamental que exista um equilíbrio entre o indivíduo e a Escola.
Ter acesso a uma educação de qualidade que responda às aptidões e às necessidades dos alunos é a base de uma predisposição para a aprendizagem ao longo da vida. É preciso reorientar o ensino, a formação e a aprendizagem ao longo da vida, por um lado, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho e, por outro lado, tendo em conta uma empregabilidade melhor e mais elevada no contexto de um mercado de trabalho em rápida evolução, adaptando os percursos escolares e de formação para o aperfeiçoamento e a reconversão profissionais. 
Na Educação de Adultos, em particular, há que melhorar a flexibilidade e qualidade do sistema e garantir o fortalecimento da governação e dos mecanismos de financiamento. Um dos principais desafios que a quarta revolução industrial representa para o mercado de trabalho será a definição das novas competências de que as pessoas necessitarão. A definição do perfil de competências para os alunos à saída da escolaridade obrigatória, em 2017, constituiu uma oportunidade de recuperação de um conjunto de orientações básicas e genéricas para o sistema de educação e formação em Portugal. 
O programa Novas oportunidades foi de facto das coisas mais brilhantes que assisti e continuo assistir, pois foi através deste programa criado nos Governos do Partido Socialistas que muitos portugueses completaram, melhoraram as suas qualificações. 
O conhecimento básico é essencial, na medida em que fomenta o espírito crítico necessário para selecionar as fontes de informação e compreender as novas tecnologias. Deste modo, importa sublinhar a importância das competências básicas, nomeadamente em matemática, física, química e biologia, as competências digitais e as competências linguísticas avançadas. É preciso também dar maior atenção às competências técnicas e especializadas, bem como às competências sociais; as primeiras são necessárias para os processos de produção, mas estas últimas ajudarão as pessoas a gerir contextos complexos e evolutivos. 
O futuro depende da complementaridade de competências. Uma educação de qualidade tem de ter em linha de conta a origem dos alunos, as qualificações dos docentes e dos outros trabalhadores da educação, as condições de trabalho, o número de alunos por turma e os investimentos em educação. 
Uma educação de qualidade passa também por todos os processos educativos - desde o ensino em contexto escolar até ao envolvimento das Famílias, dos encarregados de educação e das respetivas comunidades educativas.
Uma educação de qualidade tem de estar assente em investigação credível em matéria de educação, a qual deve sustentar as teorias e as práticas de ensino, para além de ter em linha de conta a experiência profissional de todos quantos trabalham em Educação. 
Uma palavra muito especial para os meus colegas, os trabalhadores não docentes enfrentam problemas, como a falta geral de respeito e de valorização em relação ao seu trabalho. Sem a participação e o empenho de pessoal técnico de educação especializado, é impossível garantir uma educação de qualidade. Estes devem ver o seu trabalho dentro da comunidade educacional reconhecido e devem gozar de estatuto, direitos e condições idênticos aos de outros profissionais da educação, com experiência e igualdade de qualificações profissionais e académicas. 
Os profissionais da educação que não são docentes devem ver reconhecidas, valorizadas e dignificadas as suas funções e responsabilidades em contexto escolar, ao nível da qualificação, ao nível das suas obrigações profissionais, ao nível da vinculação e ao nível do desenvolvimento das suas carreiras. 
Quero sublinhar as palavras do Professor Doutor João Góis Ramalho que disse o seguinte e que subscrevo na íntegra: "Teve que existir uma pandemia provocada por um Covid-19 neste mundo tão mau para o ambiente e para os seus cidadãos que o habitam e simultaneamente o destroem, para descobrirem que o pessoal não docente também tem um papel importante na escola, o promover a segurança e higiene no espaço educativo, através de critérios rigorosos de higiene desses espaços. Não renegamos este papel que sempre existiu e que devido à pandemia teve honra de primeiras páginas na comunicação social, que sempre coube aos assistentes operacionais, agradecemos este reconhecimento embora tardio e não por uma boa razão a Covid-19. Queremos lembrar os nossos governantes, que os trabalhadores invisíveis da educação não executam somente a limpeza dos espaços educativos, para a qual o Ministério da Educação e bem, teve o cuidado de dar formação profissional ministrada pelas forças armadas. Mas estes trabalhadores invisíveis precisam de mais formação para as outras áreas que aqui elencamos, e esperamos que o Ministério da Educação se sensibilize para esta realidade tão esquecida na comunidade educativa portuguesa, a não existência de Formação Profissional para o Pessoal Não Docente."

Como leigo, a Igreja tem cumprido a sua missão no seio das comunidades?
Sou um leigo Cristão Católico, e como todas as organizações a Igreja cometeu muitos erros ao longo da sua existência. Mas importa referir que a Igreja cresce por meio da caridade de seus fiéis e, só depois, nascem a estrutura e a organização, como frutos dessa caridade e para estar a serviço dela. 
São Lucas descreve a vida dos primeiros Cristãos: “perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que eram salvas.”
A estrutura e a organização nasceriam mais tarde, precisamente como fruto dessa caridade e ao serviço dela lembremo-nos das cuzadas por exemplo.
A Igreja é a Organização do Mundo que mais sofreu e atacada desde os primeiros Cristãos até aos dias de hoje, a Igreja resiste aos ataques quase diários, com a Igreja nasceram as escolas, hospitais, instituições sociais, foi a igreja que letrou a população, foi a igreja que apoiou os mais desfavorecidos, foi a igreja que acolheu milhões de pessoas nas suas instituições,
A pandemia do coronavírus trouxe um tempo diferente para a Igreja Católica diante da necessidade do isolamento social. 
Nessa realidade, as igrejas que são espaços da vida em comunidade e da vivência dos procuram novas alternativas para não deixar de manter contato com os seus fiéis e fazer com que todos não perdessem a referência vital de sua fé com as suas portas fechadas.
A Igreja com os seus enormes defeitos é ainda hoje e será a melhor Organização do Mundo e perdoará de forma infinita.

Como vês o futuro do Interior e das suas comunidades rurais?
O interior começava a ganhar alguma expressão no turismo, com ofertas e experiências únicas. Neste momento de pandemia, o sector do turismo é o mais afetado, pelo que o futuro do interior fica mais uma vez em suspenso.
As comunidades rurais estão envelhecidas e ao abandono e, tendencialmente, esta situação vai agravar-se. Por isso é que o papel dos jovens e das associações que dinamizam estas comunidades é cada vez mais importante.

A Guarda. Que urgências para ela?
Sem ovos não se fazem omeletes e sem população não existe crescimento sustentável, a Guarda necessita de um programa específico que ajude a fixar a população e aumentar a natalidade com incentivos tais como: Redução do IMI, redução da taxa de IRS, infantários gratuitos, criação de bolsas de estudo para os jovens, crédito mais vantajosos para empresas e aquisição de habitação permanente, canalização de apoios do Fundo Social Europeu para empresas sediadas na Guarda e Distrito e não para festas e festarolas.
Aqui sou de opinião que os Governos têm de aplicar uma “terapia de choque”, tipo deslocalizar serviços para o Interior de Portugal “obrigando” assim pessoas a deslocalizar-se, mas oferecendo salários condignos e condições condignas quer para os trabalhadores quer para os seus descendentes…
Realização de estudos do impacto financeiro dos eventos milionários realizados, que até agora desconhecemos se estão a trazer retorno para Empresários locais e consequentemente aumento da oferta de emprego.
Maior aposta no ensino universitário local não permitindo que o mesmo se extinga em poucos anos por falta, quer de financiamento, quer de matéria prima (alunos).
O restante todos nós sabemos!..

Nascido em Moçambique, que memórias desse país? Que pensas da descolonização?
As memórias de menino até à idade de 6 anos, são boas e menos boas, as boas as muitas traquinices que fazia era um menino feliz. As praias! Que magníficas praias sem ondas, nasci em João Belo a terra do gigante de Moçambique, o nome dele era Gabriel, nunca o conheci, mas ouvia muita histórias dele. Lembro-me muito bem de Lourenço Marques: aquelas enormes avenidas, a residencial onde dormia com os meus pais quando nos deslocávamos lá… o meu internamento no hospital por causa de um acidente de viação, o meu cão o Leão e a cadela Laica...
As lembranças com o meu primo paterno, o Rui- este para comer era um artista… eu a minha tia íamos com o artista até à linha do comboio para lhe dar comida... os meus primos: Nuno, Jorge, Carlos e Raquel filhos do meu Tio Fernando... que recordações, desde partir carros, sei lá... tanta coisa…
A descolonização? Não havia outro caminho, tinha que ser feita, outra solução? Portugal estava em guerra há 13 anos, milhares de mortos, o povo exigia como contrapartida a independências das colónias, Portugal era único país da Europa a manter-se como colonizador em África, não havia espaço nem tempo para a consulta eleitoral ou referendo, o regime da direita não apresentava outra solução que não passasse pela continuidade do conflito, assim, de uma forma geral, contra o mundo. Agora os moldes como foi feita isso pode-se discutir, mas uma coisa é certa, tinha que ser feita, é verdade que doeu muito a quem viveu lá e teve que vir para cá, a maioria sem nada; a maneira como fomos vistos pela sociedade de cá... houve momentos miseráveis de mentes mesquinhas e tacanhas, olhavam para nós como os “outros” os “tesos”, para esses eu digo… ide dormir.

Que te diz Vila Mendo?
Vila Mendo diz-me muito tenho laços de sanguinidade com a família Gonçalves Soares, os Meus primos Vítor, Paulo e Luís Filipe e os meus Queridos Tios. Foi em Vila Mendo que bebi os meus primeiros tintinhos, as minhas primeiras minis, foi em Vila Mendo que comi muito queijo e bom, foi em Vila Mendo que conheci a agricultura, aquelas tardes loucas de sementeira das batatas. Foi em Vila Mendo que assisti à multiplicação do vinho- sim do vinho!- numa tarde de sementeira de batatas o vinho escasseava e o meu Tio Ismael Nunes Soares, diz a meu Pai: “ Messias já tenho pouco vinho, o que faço?" e o meu Pai diz: “Ismael dá aí o vinho que eu já resolvo"; e assim foi, o Messias foi buscar água, depois acrescentou uns corantes, o vinho triplicou e foi bebido! Foi em Vila Mendo que fiz gincanas de bicicleta. Foi em Vila Mendo que fiz muita coisa!..
A Lembrança dos verões dos anos 80, ouvia histórias no largo do chafariz, na altura das matanças… o ti Zé Miuzela, homem encantador… o ti Deonaldo, vizinho dos meus tios, o Ti Zé Soares, homem fervoroso do futebol... Foi em Vila Mendo que comecei a gostar do Eurovisão. Foi na casa dos pais do Zé Albino que via televisão… tantas histórias… Vila Mendo é Sublime, Vila Mendo é o exemplo vivo de uma comunidade que todos sentem e que todos a vivem. Obrigado Vila Mendo. 






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