In illo tempore
foi construído no coração da aldeia o forno comunitário, num beco estreito,
escuro e envergonhado, ainda que as demais ruas não fossem largas, iluminadas
ou extrovertidas, transformando-se, também elas, em lodaçais constituídos de
areias, folhas de árvores e dejectos de gado vacum, ovino e caprino logo que se
iniciavam as chuvas de Outono e se prolongavam até à Primavera.
Per
saecula saeculorum ali se cozeu pão, sobretudo de centeio, pedra angular da
“roda dos alimentos” nas beiras
interiores, sendo a sul do país de trigo e a nordeste e beira litoral de milho,
tudo de acordo com a melhor exploração possível da capacidade dos terrenos e
condições climáticas, tendo presente os princípios da rotação bienal/trienal do
cereal – pousio - herdada do Neolítico.
As referências ao pão remontam aos
primórdios da idade do ferro, mas a técnica da fermentação só viria a ser
descoberta no Egipto, posteriormente apreendida pelos gregos que a difundiram
em Roma e pelos romanos divulgada na expansão militar pela restante Europa.
Nos
sécs. XII e XIII incluem-se na dieta alimentar dos povos da beira o pão de
milho-miúdo, centeio, castanha, legumes variados, com predomínio para as
couves, o grão e as favas e, relativamente a frutas, as maçãs, as uvas e os
marmelos.
Gastronomia beirã que não ficou
indiferente aos descobrimentos a partir do séc. XV, donde terem sido
paulatinamente introduzidos produtos como a batata, a abóbora, o amendoim, o
ananás, o cacau, o feijão, o girassol, o milho, o pimento e o tomate.
Entrada, por certo, lenta, pois que em
questões alimentares é a sociedade prisioneira de usos legados de geração em
geração e que só raramente se alteram (cfr. Georges Duby, Guerreiros e
Camponeses, Lisboa, Estampa, 1980, p. 29).
Estamos perante mais uma noite de
invernia em que chuva miudinha cai lenta, lentamente, como que à espera que o
frio glacial vindo da serra da Estrela a solidifique em neve. Amanhã, de manhã,
será um dia resplandecente com as casas, as ruas, os caminhos e os campos
cobertos de neve. Mas nesta noite, tão comprida quanto húmida e fria, nada
melhor que um serão no forno para secar a roupa húmida que se cola ao corpo e
dar dois dedos de conversa com as duas famílias que, decorridos que são quinze
dias, ali regressam para desamuar à due o
forno e cozer o pão de centeio.
Apesar de se tratar de uma noite escura
como breu, sem que se vislumbre vivalma ou uma réstia de luz por detrás de
alguma janela ou janelo, não há qualquer risco de nos enganarmos no percurso a
tomar, pois que a morfologia urbana radioconcêntrica, como é característica da
maioria das aldeias medievais, desembocará inexoravelmente no centro da aldeia
e daí ao forno são dois passos (ao centro confluem a Rua Principal, Rua do
Regato, Rua de Baixo, Rua do Pocigo e Rua do Forno, algumas delas interligadas
pelas radiais - Rua José Velho, Travessa da Rua de Baixo, Rua a Porta do Campo
– ou delas emanando becos como a Rua do Cantinho)[1].
Chegados ao centro da aldeia, a
escuridão não nos permite decifrar se se ergue ainda à intempérie a árvore que lhe
dará o nome pelas gerações seguintes ( Largo da Amoreira), ou se as ruas já
foram calcetadas (+/- 1952), ou os tanques construídos (+/-1954), ou mesmo as
casas em redor reconstruídas, sendo que as de José Elias, Manuel Dente e o
cabanal de Ana Corte o foram nos últimos anos da década de sessenta, pelo que
não é possível, por ora, fixar qualquer data, ainda que por mera ficção.
Tomada a “Rua do Forno”, manda a
prudência que se caminhe junto à parede do lado esquerdo a fim de não encharcar
os tamancos, adquiridos na “Feira de São Francisco” e com rasto em pneu de
poucos dias, no atoleiro que ali se foi formando em virtude do bueiro que dali
emana e passa pelo curral - que foi ou há-de ser - de Ana Corte em direção à
eira se encontrar entupido.
Ao aproximarmo-nos do forno,
vislumbra-se por entre as largas frestas da carcomida porta de madeira uma
réstia de luz que aumenta e diminui de intensidade à medida que as chamas saem
da boca da fornalha. A porta encontra-se encostada, de resto como sempre, num
permanente convite à entrada de quem quer que seja; ainda que, reza a história,
se trate de um mendigo que ali procurou abrigo numa malfadada noite glacial de
inverno – como esta - e, apercebendo-se que a fornalha se encontra ainda quente
por ter sido recentemente utilizada, logo nela se introduz para dali mais não
sair com vida, pois que a inalação de monóxido de carbono lhe terá sido fatal.
Transposto o umbral que, fora dia,
ter-nos-ia informado se já foi alvo da reconstrução de 1904 e sem que se peça
licença aos presentes - afinal o forno é público -, mas dada a salvação e
recebida a resposta: “Boa noite nos dê Deus!”, logo se vislumbra em frente
sobre a direita o vulto de indivíduos semi-deitados sobre restos de palhas,
giestas e ramos depositados sobre um tosco muro de pedra irregular com não mais
de 50 cm de altura e soterrado até à parede posterior. Ao centro, junto à boca
da fornalha, labora o forneiro, por um dia, procurando manter vivas as
labaredas e a sua distribuição equitativa por todos os lados.
Sobre a parede da direita, de fronte
para os ditos indivíduos, as labaredas que se vão libertando da fornalha por
entre o fumo projectam na parede a silhueta de duas ou três senhoras que,
encostadas à bancada de granito, dão os últimos retoques na massa de centeio já
preparada para a cozedura. Previamente, durante o dia, a farinha fora
peneirada, misturada com água morna, sal e fermento natural – levedura – e
protegida por cobertores para levedar.
Reconheçamos que é um forno rudimentar,
em terra batida e sem que para a sua utilização existam regras, usos ou
costumes que salvaguardem a sua manutenção e higiene, sendo apenas de registar
a colocação de lenha na fornalha logo que retirado o pão para, de uma
assentada, o próximo utente assegurar a sua vez e aproveitar o calor existente
para acelerar o processo de enxugamento e secagem daquela.
Acresce que inexistem outros utensílios
públicos para além da pá de enfornar e uns rudimentares lareiros de rapar e
varrer.
Nas casas particulares também não
existirão, creio, os habituais estendais de fingir e tender o pão, mas tudo se
resumirá à masseira (alguidar), espátula e um tabuleiro em madeira – qual pau
para toda a colher – que serve para as demais funções, inclusive transporte
para o forno e deste para casa, mas também para outros serviços relacionados
com as saudosas matanças do porco.
Paulatinamente o fogo vai vencendo a
resistência da lenha húmida e verde e as labaredas aumentavam de intensidade,
por vezes saíam da boca da fornalha iluminando, ainda que tenuemente, o rosto
dos que ali se encontram.
De uma banda as senhoras trajando de
negro com as faces semiencobertas pelos lenços que trazem à cabeça e atados ao
pescoço, rodeadas de pirralhos de tenra idade que olham fascinados para o
crepitar do fogo.
De outra, homens de cabeça coberta, uns
com chapéu e outros com boina, samarra pelos ombros e calças de surrobeco, que
se entretêm sorvendo o morrão de cigarros da marca “Kentucky” (vulgo mata
ratos), “Definitivos” ou mesmo de enrolar, estes feitos na hora num estranho e
hábil manusear da mortalha a enrolar o tabaco e colada, a final, com uma subtil
lambedela.
Desamuada a fornalha, iniciam-se os
trabalhos para colocação do pão. As senhoras, dados os últimos retoques na
massa, dão uma última “pulverizadela” de farinha e, uma delas, sinaliza os seus
pães com uma ligeira pressão do polegar sobre a massa lêveda, como se da
aposição da impressão digital se tratasse, enquanto o forneiro puxa o brasado
para o exterior, deixando-o à boca da fornalha e dá os últimos retoques na base
da fornalha arrastando uma ou outra brasa que se tresmalhara.
Aproximando-nos ligeiramente, e
aproveitando a luz do lampião que até ao momento tinha permanecido esquecido
junto aos tabuleiros, com a torcida reduzida ao mínimo para evitar consumo
desnecessário de petróleo, podemos verificar que a base, agora esbranquiçada,
está uniformemente revestida de tijolo de barro, o que permite precisar com
segurança que estamos aquém de meados da década de sessenta do século passado.
Com efeito, a penúltima reparação ocorreu na década de sessenta com
revestimento da fornalha a tijolo de barro cedido pela Junta de Freguesia então
presidida pelo, creio, mourense Silvestre.
O forneiro pega então na pá, dá dois
passos à retaguarda e espera que seja colocado o primeiro dos pães. A senhora
que o coloca não resiste à repetição de um gesto reiterado pelos seus
antepassados ao longo dos séculos: uma cruz seguida, em sussurro, de um voto “Deus te acrescente".
Enquanto o forneiro prossegue o
vai-e-vem cadenciado num concertado jogo de pernas e braços, fazendo estes
deslizar o cabo da pá até ao extremo, no início, e paulatinamente em menor
extensão à medida que os pães vão sendo colocados mais próximos da boca da
fornalha, gestos que terminam sempre com o mesmo impulso rápido de avanço e
recuo de modo a que a inércia do movimento faça deslizar a massa da base da pá
para a da fornalha, os pirralhos que se encontram por perto, seguem atentamente
os seus gestos e dele reclamam o maior cuidado e destreza na colocação de três
“patinhos” feitos de massa lêveda e dois pães com carne (vulgo ratinhos),
presas que pretendiam ver incólumes para posterior repasto.
A bola de azeite fica, também, debaixo
de olho, mas é seguramente a terceira opção de tais “felinos”.
Do outro lado, não sendo seguro que a
farinha utilizada na feitura de tais pães fosse proveniente de grãos de centeio
colhidos pelos actuais proprietários, uma vez que fora adquirida ao moleiro e
paga no ato em grão de centeio, medidos ao litro ou ao alqueire (ao que me
recordo de 15 litros)[2],[3],
perguntavam-se em silêncio os homens que ali se encontravam: em que terras
centeeiras teria sido semeado o grão que germinou, cresceu, multiplicou-se e,
depois de mil trabalhos, foi moído e dele se fez tal farinha.
Pois que, sabendo eles em que folha ou
tapada fora semeado, logo diriam qual foi o lavrador que jungiu a junta de
bovinos, arou as terras com a decrua, estravessa ou entravessa (lavragem
perpendicular à decrua nos terrenos cuja extensão o permitia), lançou ou não as
sementes à terra em época serôdia ou temporã, abriu sulcos aos camalhões ou,
não o tendo feito dessa forma, lançou as sementes depois de arado e cobriu-as
de terra com recurso à grade.
Mais nos diriam os ditos senhores:
- se tais terras centeeiras, agora de
alqueve ou alqueive, foram adubadas com químicos ou estercada dos rebanhos que
nelas foram apascentadas;
- quem foram as ceifeiras e ceifeiros
que à foice (seitoiras) – com ou sem recurso a ranchos, seguindo ou não o seu eito
– ou à gadanha cortaram a pragana;
- quem fora o manajeiro, quem se
levantou antes do sol nascer para atar os molhos e de quantas palhas fazia uma
nagalheira;
- quem juntou os molhos em rolheiros e,
assim, fez migrar o cuco de imediato;
- quem foi o carregador que aprontou a
manta de farrapos no chedeiro do carro das vacas, e ali depositou ao comprido
molhos com a tora para trás e para a frente e, ultrapassada a altura das rodas,
logo iniciou a colocação de travesso para, decorridas que eram cinco fiadas,
chamar à razão os estadulhos (ou fueiros) que se haviam desavindo puxando das
traves (ou travadeiras). Reposta a postura com tais amarras logo prosseguia com
mil cuidados não fosse desequilibrar-se e espetar-se num desses pontiagudos
estadulhos enquanto praguejava: “Raios
partam as vacas, não param quietas com tanto mosquedo!”. E apostas duas
fiadas sobre o cume dos estadulhos terá ponderado o terminus da carga, colocando mais molhos sobre dianteira se esta
estivesse traseira e optando por lançar as cordas ao longo do chedeiro ou de
través, sendo nesta última hipótese, mediante a colocação de molhos ao
comprido, como fizera no início e por forma a permitir que nos declives do
caminho nelas se apoiassem para obstar a que a carga tombasse;
- quem na eira ou lajem edificara a
“meda” e procedera à malha ou debulha mediante recurso ao mangual ou às ditas
“máquinas” (malhadeiras/debulhadoras de cor amarela e da marca S. Mamede ou S.
Romão cuja engrenagem de cilindros era accionada por tractores);
- quem na malha fizera companhia a
Manuel Carolino a transportar a palha para o palheiro, e destes qual o malandro
que sucessivamente largava a facha logo que chegava ao cume da escada,
obrigando os demais a esforço acrescido para satisfazer o palheireiro que de
ancinho com dentes de madeira gritava lá do estremo: “É p’ra aqui!”. E se o carregador desaustinado com a carga apertada
por entre a correia e os braços, de olhos semicerrados e passo incerto
procurando o equilíbrio entre as ondas de palha não tomava o rumo certo, logo o
palheireiro repetia a ordem acrescida de uma asneira para que a agulha da
bússola fosse aferida sem delonga;
- quem, já exausto, fizera soltar da
poli uma das muitas correias que acionam os cilindros e provocaram a paragem da
máquina por entre uma chiadeira de cilindros a empapar, as correias a rodar em
falso derretendo o alcatrão com que haviam sido untadas momentos antes, tudo
para desespero do dono da malhadeira e do lavrador, mas com a aprovação em
sussurro de todos os demais que logo se dirigiram para a sombra do carvalho ou
castanheiro mais próximo.
Ainda que já não se cantassem as quadras
de outrora[4],
pois que o ruído das máquinas levava inelutavelmente a melhor sobre as
gargantas ressequidas da pragana, sempre que a sede despertava alguém gritava
em voz alta:
-
Como se chama a vaca em espanhol?
Ao que todos respondiam em uníssono:
“andúvia”!
E, prosseguia quem dera o mote, o
bezerrinho?
Ao que todos respondiam em coro
rejuvenescido: “anduvinho”!
Logo o lavrador anfitrião fazia avançar
o garrafão de vinho doce e dois copos, sendo que desta repartição beneficiavam
claramente Manuel Carolino e seu irmão José Miguel, os únicos a beber por um
deles.
Absortos em tais pensamentos enquanto o
forneiro fechava a boca do forno com a porta de ferro já carcomida pela
ferrugem e com as dobradiças partidas, eram as mulheres quem davam início e
alimentavam uma longa conversação enquanto o pão cozia.
Começaram por referir a fuga de mais um
jovem mancebo na noite passada. A exemplo de muitos vilamendenses mais velhos,
também ele transpusera a fronteira durante a ordem de um passador que, para
tanto, cobrara as últimas economias dos seus progenitores. Partiu em busca de
uma vida melhor, fugiu de uma guerra colonial que nada lhe dizia.
Do regresso nem pensar, pois que
depressa passará a refractário e, consequentemente, será emitido mandado de
captura para cumprimento de pena de prisão. Cumprido o mandado, seguiria para
uma das Casas de Reclusão da zona militar onde deve assentar praça e, cumprida
a pena de prisão, integraria uma companhia ou batalhão para, decorridos três
meses de instrução, rumar a terras de áfrica em algum navio, mormente «Santa
Maria», «Vera Cruz», «Príncipe Perfeito», «Infante D. Henrique», etc..
Prisão que lhe teria sido aplicada, por
certo, pelo tribunal judicial de Almeida, caso tivesse sido detido a transpor a
fronteira na área territorial daquela comarca que se estende, a sul, para além
de Vilar Formoso.
Não tarda, é certo, que por ele virão
dois soldados da Guarda Nacional Republicana do Posto do Marmeleiro, trajam
botas sobrepostas por polainas e grandes sobretudos verdes. Vistos ainda no
limite do que a vista alcança, logo as galinhas são recolhidas e uma ou outra
porta de casa se fecha para que não ser prestada qualquer informação.
Mas falam, também, dos que partiram para
a guerra em cumprimento da ordem do ditador que, no início da década dissera
naquela voz aguda tão singular: “rapidamente e em força para Angola”. Fazem-no
sussurrando o nome de Salazar por receio à PIDE/DGS que, dizem, tem ouvidos em
todo o lado.
E elevam os olhos ao céu quando
pronunciam o nome de quem por lá caiu em defesa da pátria, e fica no ar o
pedido: “Que Deus tenha!”.
Mais falam de estórias de galhardia,
amor, paixão e desventuras, mas também de intrigas e desavenças entre famílias
que vêm de longe por divisão de águas comuns, servidão de passagem, demarcação
de estremas, casamentos rejeitados, …
E falam, ainda, do futuro da aldeia com
as novas obras que se avizinham, nomeadamente a (re)construção da estrada que liga
a aldeia a Vila Fernando e à Santana da Azinha, mediante o alargamento
generalizado da existente e com novo traçado (mais rectilíneo) a espaços
(actual Avenida Motard no prolongamento da Rua do Pocigo ao Alto das Lombas e
do Pinhal do Grilo à estrada que liga Vila Fernando ao Monte Carreto) e a
reconstrução da Capela.
A pouco-e-pouco começa a brotar da
fornalha o odor a pão cozido. O forneiro levanta-se, retira a porta da boca da
fornalha, pega no lampião espreita o interior da fornalha e observa:
- Está quase!
Um dos pirralhos, adormecido no regaço
de sua mãe, logo levanta a cabecita e, ainda estremunhado, alerta os demais
para em grau de prontidão se prepararem para o assalto aos pães em formato de
pato. De nada valerão, por certo, as recomendações dos progenitores de que o
pão quente faz mal à barriga.
Os demais presentes que não fazem parte
da casa de uma das duas famílias preparam-se para sair do forno, deixando em
recato as duas famílias e calando o estômago de um apetite que já se faz sentir
– lá diz o povo “olhos que não vêm …”
Um deles dirige-se ainda à boca do
forno, acende numa das brasas o cigarro que o há-de iluminar até casa.
Outro, apoia as mãos nas pedras para se
levantar lentamente, já de pé leva as mãos aos quadris, puxa as omoplatas para
trás num estranho espreguiçar de quem sofre das costas, fecha ou abotoa o
casaco e arremata a conversa em tom conformista de quem nada mais espera do
futuro que não seja a saúde para ganhar o seu sustento e dos seus:
- Haja saúde, coza o forno, e o pão seja
para nós!
José
Eduardo (4 de dezembro de 2013)
Post-scriptum
– Quis o acaso que o presente texto tenha sido redigido no dia em que Portugal
viu inscrita a sua dieta alimentar (mediterrânica) na lista do Património
Imaterial da Humanidade. Dieta à base de alimentos sazonais e ricos em fibras,
como pão, frutas e legumes, reduzidas carnes vermelhas e o azeite como
principal gordura que contribui para uma maior longevidade dos seus utentes em
relação aos habitantes dos países desenvolvidos como os do Norte da Europa e
Estados Unidos da América.
Por ser justo e devido, termino com o
agradecimento aos meus pais pelas informações que à distância me deram sobre
factos ocorridos até meados da década de sessenta, bem como dos ensinamentos deles recebidos na arte de amanhar a terra, semear,
ceifar, colher, arrancar e tudo o mais que a lavoura encerra.
[1] As ruas são
seculares, mas a toponímia é recente – aprovada em reunião ordinária da Câmara
Municipal da Guarda realizada no dia 22 de setembro de 2009. Estranhamente,
omitiu-se qualquer alusão Largo da Amoreira, ou mesmo do Chafariz, por certo
nomenclatura consensual na população vilamendense.
[2]
O alqueire não contém uma medida certa, introduzido pelos árabes com a
designação (al kayl) e sujeito a sucessivas intervenções régias ao longo dos
séculos, levaram a que no século XIX se registassem as seguintes discrepâncias:
- 13,1
litros no litoral entre Aveiro e Lisboa;
- 13,9
litros, um pouco por todo o país;
- 14,9 e
15,7 litros, sobretudo no interior e no sul;
- 17,0,
17,5 e 19,3 litros, quase exclusivamente no Entre-Douro-e-Minho.
[3] Outrora,
a troca era direta, o lavrador levava o grão ao moinho hidráulico, e o moleiro
retirava para si uma maquia que rondava 4 medidas de 1,5 litros por cada fanega
(4 alqueires).
[4]
Respingam-se algumas quadras de tais cantares:
“Nosso amo tem uma vaca,
Também tem um bezerrinho;
A vaca chama-se andúvia,
O bezerro anduvinho.
(…)
Nosso amo anda triste,
Por o Sol já ir baixinho;
Não se entristeça meu amo,
Que o Sol vai devagarinho.
Ao dar da palha, ao dar da palha,
Ao dar da palha, ao dar da beira,
Venha o vinho, venha o vinho,
Venha o vinho à carreira.”