Há dias, um conhecido restaurante da cidade da Guarda serviu-me de sobremesa um pretenso doce, de seu nome “marroquina”. Diga-se que declaradamente não vejo a relação do nome com o paladar, uma mistura de limão e açúcar, com uma fortíssima preponderância de amargo, onde o contraste é de tal modo intenso que acaba por anular a pouca doçura do mesmo.
A descrição por si só não passaria de uma experiência gustativa irrelevante não fora esta a mesma sensação de quem assistiu a uma deliberação da Assembleia Municipal da Guarda que aumentou de 0,400 para 0,450 a taxa do imposto municipal sobre imóveis – IMI a cobrar em 2015. Numa clara comparação à preponderância de paladares, não há luzes, festas ou propagandas, por mais elaboradas que elas sejam, que adocem o gosto amargo de quem vai pagar IMI no próximo ano no município da Guarda. Disse vincadamente “quem vai pagar” porque nesta equação entram quatro tipos de munícipes: aqueles para quem a medida não faz diferença – os pobres, que estão isentos, e os ricos, que têm posses; os não-residentes – por razões óbvias; e aqueles para quem a medida é duríssima – os pagantes, nos quais me incluo.
Esta é uma daquelas medidas que apetece apelidar de pornográfica, isto para se ser comedido no epíteto, porque, de facto, o apelido merecido iria muito além daquele que aqui usamos.
Desconhecendo o montante de receita a arrecadar com a medida, não há dúvida de que ela está em claro contraciclo com a realidade regional e com a condição económica dos cidadãos da Guarda, os quais já são de si penalizados com um conjunto de outras dificuldades e acréscimos de custos. Se alguém tem dificuldades de visão ou dúvidas de compreensão, aqui deixo uma entre muitas evidências: esta região inóspita e de temperaturas baixas numa grande parte do ano obriga a que as casas estejam dotadas de sistemas de aquecimento, os quais, pasme-se!, são tributados pelas finanças como acréscimo de qualidade e conforto! Como se isso fosse um luxo, o qual representasse um elevado encargo para funcionamento, gasto de gás, gasóleo, eletricidade, lenha ou outro combustível, que outras regiões não necessitassem também de consumir.
Em termos comparativos com municípios próximos, conforme quadro anexo, a Guarda é a cidade onde a taxa de IMI no próximo ano será mais alta e onde a mesma tem a maior subida. Ironicamente falando, haverá aqui alguma correlação com a altitude do local ou com a propagandeada cidade em alta! Só pode! Porque mais nada que o justifique se vislumbra.
A execução desta decisão demonstra, do ponto de vista político, duas coisas: uma oposição que não reage devidamente; e um executivo sem preocupações em promover mecanismos de apoio às famílias e à atividade económica em geral, insensível às dificuldades pelas quais os cidadãos passam e à crise que o país atravessa.
Decisões destas são boas festas amargas que os munícipes dispensariam. E que os eleitos, já agora, deveriam ter vergonha em aplicar.
Variações de IMI - Município / Ano 2013 2014
Castelo Branco 0,300 0,300- Coimbra 0,380 0,350- Covilhã 0,340 0,350- Guarda 0,400 0,450- Viseu 0,300 0,300
Consulta de dados de 18-12-2014 em: www.portaldasfinancas.gov.pt
Acácio Pereira
Artigo publicado no jornal O Interior