Maria da Paixão
Maria da Paixão, uma mulher de Vila Mendo pois foi ali nascida e criada e ali viveu até à morte. Era filha de mãe solteira, morava na rua da Rua do Cantinho, numa humilde casa (se é que assim se podia chamar). Era uma casinha com apenas uma divisão e que fazia de quarto, cozinha e não só! Junto a esta, tinha uma outra ainda mais pequena que servia para guardar as cabrinhas, que normalmente eram 3. Dizia ela que não tinha mais porque mais já não cabiam nessa dita casa.
Era uma mulher só (eu conheci-a sempre a viver sozinha), era e foi sempre solteira. Houve uma certa altura que chegou a gostar de alguém (dizia ela), e esse alguém era o Manuel Damião de alcunha pavão (criado do Sr. Manuel Domingos). E digo que chegou a gostar de alguém por culpa daqueles que lhe queriam arranjar casamento e que lhe diziam que o pavão era uma bom partido para ela!!! Havia porém momentos que se lhe ouvia que gostava dele, só que bastava haver um malandreco ou malandreca dizer-lhe que o tal Pavão a tinha chamado rasteira (alcunha porque era conhecida talvez por ser pequena!), para ela se exaltar logo, ao ponto de correr em direção a nós com intuito de nos bater… a nossa alternativa era fugir!!!
Como mencionei atrás, ela tinha sempre 3 cabrinhas as quais tratava com muito carinho e até as chamava pelos nomes. Partilhava com elas alguns dos seus alimentos, como por exemplo pão, que a maior parte das vezes lhe era dado pelas pessoas da aldeia. Ao sair com as cabrinhas para o campo levava sempre consigo, nos enormes bolsos do avental, um pedaço de pão e claro está que as cabrinhas estavam tão habituadas a esses mimos que, pela rua fora, iam sempre junto dela e de vez em quando lá lhe iam aos bolsos!!! Por vezes as pessoas diziam-lhe : - Oh Sra. Maria, então dão-lhe pão para dar às cabrinhas ?!! -ao que ela respondia : - Elas não se calam! - e era realmente verdade… enquanto lhe não desse um pouco de pão as cabrinhas não paravam de berrar!
Eram cabrinhas muito medrosas, dizia ela, ao ponto de em dias de mau tempo, como em dia de trovoadas, as levar para dentro da sua casinha onde ela morava… Mais uma vez as pessoas a questionavam : - Porque mete as cabrinhas em casa ? - ao que ela respondia : - Coitadinhas, estavam cheias de medo, não se calavam!!! Nessas noites a pobre mulher nem dormia porque, dizia ela, que as cabrinhas lhe subiam para a cama, tal era o medo que tinham das trovoadas.
Coabitavam também na sua casinha, dois ou três gatinhos, quando não eram mais, e, como não podia deixar de ser, tratava-os com muito carinho. Sempre que algum dia não visse um deles a pobre mulher lá vinha para a rua a chorar e a dizer : - Não sei da minha gatinha. - e era pior, referia ela, quando andavam aos gatos: - Ontem andava lá um gato grande atrás dela e de certeza que deu cabo dela!- ao que nós (malandrecos) aproveitávamos para lhe dizer que sim, que poderia ter sido, ao que ela ainda mais chorava!
Um dia desapareceu-lhe uma gatinha, a mais bonita dizia ela, deu voltas e voltas por todo o lado no sentido de a encontar, e só parou de a procurar quando finalmente a encontrou, passados 2 dias! -Onde estava a gatinha? - Perguntámos-lhe. - Estava na arca! ( uma pequena arca de madeira, talvez uma arca onde guardava a roupa). A arca tinha-se fechado, não se sabe como, e a gatinha esteve lá 2 dias fechada. O pior é que quando a encontrou e ao abrir a dita arca, a gatinha, assustada , agarrou-se-lhe à mão e à cara tendo-a deixado em miserável estado! Mas nem por isso ela deixou de gostar da gatinha… dizia que lhe perdoava, que lhe tinha feito aquilo porque estava assustada!
Mas voltando a falar no amor dela com o Manuel Pavão, com o qual nunca chegou a casar pois entre eles havia sempre uma guerra quando se encontravam, devido ao facto de alguns dos tais malandrecos dizerem à Paixão que o Pavão a tinha chamado rasteira, e ao Manuel Damião lhe dizerem que ela o havia chamado pavão!.. aí começava a guerra entre eles (guerra de palavras, claro), e talvez por isto, ou talvez não, nunca conseguimos juntar, muito menos casar, o PAVÃO com a PAIXÃO ! Para muitos foi uma grande desilusão, ou talvez não!!!
António Pereira Gomes