(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 21 de Dezembro.)
O Homem é um ser profundamente relacional. Existe em relação. Não poderia Existir se assim não fosse. E as relações são ralações constantes: podem ser profícuas ou improdutivas ou ambas; podem ser sinónimas ou antagónicas ou ambas; podem ser boas ou más ou ambas. Estar em relação é um compromisso pessoal e social, social e pessoal. É nesses compromissos que criamos Hábito e hábitos.
Criamos (o) Hábito (aqui entendido com o nosso modo de Ser, o estado desse nosso ser) quando nesses compromissos nos damos ao outro, recebemos do outro, quando recebemos de nós próprios. O Hábito que criamos e recriamos numa eterna (re)definição do Ser e da Substância). Na infinitude da teia de relações (nem todas produtivas, muito menos superlativas) afirmamo-nos como somos (ou pelo menos como queríamos ser), estabelecemos o modo como estamos e reorientamos o estado do nosso estado interior. Definimo-nos. E nessa definição ajudamos (contribuímos) para que o outro se defina (para melhor ou nem tanto!). As relações criam Hábito; o Hábito cria relações numa reciprocidade permanente, consequente, tantas vezes pungente.
Já a criação de hábitos (mais ou menos corriqueiros, mais ou menos estruturantes) é como que um vício que começa desde a nascença até ao último suspiro. Criamo-los por tudo e por quase nada. Criamo-los para nos sentirmos seguros, porque queremos previsibilidade (num tempo altamente imprevisível); porque queremos ter controlo e até controlar; porque o desconhecido nos afecta e nos afasta e é reconfortante pisarmos terrenos óbvios, sem as agruras do enfrentamento do velado.
Habituamo-nos aos hábitos de tal forma que até os hábitos se habituam a nós! Depois de criados como que ganham asas próprias e o criador (Eu) quase que pode deixar de ter mão na criação: a criação empodera-se e pode subjugar o criador. Não admira pois a errância que vemos em sectores vastos da sociedade, enredados que estão em hábitos pouco conducentes, que se replicam e implicam uma e outra vez (a política e os políticos são pródigos).
De facto (e decerto a outro nível), todos temos os nossos hábitos, transversais e universais. Basta pensarmos no dia-a-dia: dos mais assertivos e unitivos até aos mais inusitados e desinteressados- são as rotinas e as regras que lhe subjazem, elementais na estruturação da personalidade. Per si, os hábitos ajudam as relações e as relações ajudam os hábitos. O problema residirá na altura em que nos tornamos excessivamente dependente deles, o que terá impacto tremendamente nefasto nos relacionamentos e no relacionamento connosco mesmos: problematização idêntica àqueles que não têm hábitos quase nenhuns!
Se todos temos os nossos hábitos, pessoas há que querem, persistem em fugir deles, das rotinas; e passam a vida nisso, a inventar formas e fórmulas (consubstanciadas ou só mentais) de lhes resistir: no fundo como que uma fuga à realidade e seus ditames, pensando que ao se mudar recorrentemente de espaço e de eventos se muda de tempo- do tempo real e suas contradições, que não serão mais do que as contradições próprias. Não se apercebendo que estão a criar o hábito de mudar, de fugir dos… hábitos. E isso pode constituir a criação de um Hábito complexo!..
Os hábitos. Quem os não tem?
O hábito dos hábitos, sem habituação excessiva, sublima o Hábito!