A nossa identidade está plasmada na nossa memória. A nossa memória é a nossa identidade, a nossa personalidade. Somos o que somos pelo que fomos! Seremos o que somos: quando lá chegarmos, iremos ser da forma como lá chegarmos, numa continuidade ad aeternum…
De facto, só uma pequeníssima parte do nosso passado opera no nosso pensamento- pequenos fogachos e às vezes espartilhados- mas é com todo o nosso passado inteiro, indizível que desejamos, queremos e agimos. A memória define-nos e a forma como memoriamos define-nos ainda mais.
As memórias podem ser distorcidas na nossa mente, podem ser acrescentados pontos, retirados outros, alterados, misturados de forma que o lembrado pode não ter tanto que ver com o acontecido.
Amiúde, a memória lembrada corresponde às percepções (não sempre completamente objectivas) sobre a realidade dos factos, sobre como víamos o mundo nessa altura e como ele nos via a nós; corresponde, tantas vezes, à interpretação que fazemos, agora, sobre essas mesmas percepções. Como resultado, as memórias sobre os mesmos acontecimentos podem ser bastante diferentes entre várias pessoas. Conseguimos como que apagar o que não nos interessa e ressaltar o que nos convém.
Importa então sermos, ou tentarmos ser imparciais perante a nossa própria memória fazendo uma análise profunda às nossas percepções e interpretação delas mesmas. Doutro modo, pode acontecer que toda uma experiência possa ser recordada partindo de um ou poucos simples factos e submeter e subjugar todas as vivências a ele(s): afirmativa ou negativamente!
Realmente, sem as memórias e sem as histórias e sem as estórias que elas nos contam e recontam, um sem fim de vezes, seríamos uns meros viventes, ausentes da vida e quase que de vida.
Elas carregam-nos! Levam-nos e abandonam-nos. Sustêm-nos! Frustram-nos e surpreendem-nos. Orientam-nos! Dizem-nos e calam-nos. Estruturam-nos! Reprimem-nos e motivam-nos. Esperançam-nos! Desiludem-nos e alegram-nos. Vivem em nós e nós vivemos nelas.
A existência- esperançada, mas real- caminha nesta linha ténue estreita mas escorreita de perceber se são as memórias que vivem mais em nós, se somos nós que vivemos mais nas memórias; se somos nós que construímos mais (e a todo o momento) as memórias, se são elas que nos constroem mais (e a cada passo) a nós: e por tal só capazes de viver o vivido, de modo que o vivido não nos deixa viver o agora; só capazes na incapacidade de nos livrarmos das memórias- sem delas nunca nos podermos livrar completamente.
Como que uma sina, ou uma graça, as memórias revisitam-nos uma e outra e outra vez. A forma como nos condicionam depende de nós… e depende delas e… de nós (como se pudéssemos dissociar o Eu da Memória!).
Aliás ou talvez, o processo de pensamento inicia-se nas memórias; funde-as, infunde-as, projecta-as, e todo um mundo de possibilidades (reais ou surreais) se nos afigura... O pensamento será memória. A memória é pensamento.
Memória: quem a não valoriza, vive somente. A quem lhe importa, existe verdadeiramente.
Memoriemos- sem nos desmemoriar!
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