espécie de ensaio- no seguimento da reflexão: “Que eu-outro queremos, que Portugal-outro aspiramos?” publicada no dia 1 de Julho de 2022. No quase seguimento de: "Racionalidade: que mundo-outro queremos, que mundo-outro teremos?- a guerra na Ucrânia" publicada nos dias 9 de Maio e 1 de Abril de 2022; também no quase seguimento de: “Vida e(m) pandemia” publicada aqui nos dias 25 de Junho, 2 de Abril e 5 de Fevereiro de 2021. E na quase continuação do "Pessoas: Político(s) e política(s)- o fim dos partidos?”, publicado aqui no dia 30 de Dezembro de 2021.
Maternidade: o Fim da Guarda; o Fim de Portugal
O mundo está numa encruzilhada: tantos sãos os caminhos, desafios e desvarios; amplificados por uma comunicação social/redes sociais que sobrevalorizam uns acontecimentos e remetem ao esquecimento outros mais.
Portugal nunca saiu da encruzilhada. Estamos constantemente perdidos na exaltação do passado (idealizante) e no futuro glorioso (ilusório): no presente (real) depressivos, alienados. Queremos e não queremos; gostamos e não gostamos; falamos e não falamos; desejamos e não desejamos; sonhamos e não sonhamos; estamos e não estamos; fazemos e não fazemos… Esta psique profunda e profusamente contraditória embrenha todo o nosso pensamento (caótico, tantas vezes) inibindo a acção verdadeiramente transformativa e valorativa da sociedade como um todo, tornando a nossa existência colectiva um tanto ou quanto incompreensiva, ou pelo menos incompreendida; como se o surgimento traumático da nacionalidade (Eduardo Lourenço) ecoasse no inconsciente das diversas gerações, até hoje, impedindo a realização plena de Portugal como país, como destino e fim da nossa própria presença (enquanto povo) no mundo.
Ainda não descobrimos a nossa vocação (provavelmente, nem verdadeiramente a nossa identidade de fundo- que é real): surgidos do conflito e de impulsos, lutámos a sobrevivência como pudemos; cansados de nós mesmos e de existirmos por oposição a Castela, ousámos descobrir outros (na esperança, talvez, de nos descobrimos) e na ânsia de nos reinventar e espelhar num império eterno (como fim em si mesmo) acabámos a olhar um país efémero: em ideias e ideais futurantes, em pretensões e realizações estruturantes.
Resta pouco da nação que se fez (ou pelo menos tentou fazer) império. Resta pouco do império que criou (ou pelos menos contribuiu bastante) uma civilização global (transnacional). Resta pouco (se é que foram muitos) dos intrépidos que deram novos mundos ao mundo, que quiseram (será que quiseram?) um império de orientação civilizacional e não de dominação. Restamos nós- agora- sabendo que… não sabemos bem onde estamos ou, pelo menos, onde nos posicionar no mundo: se na europa (onde somos periféricos), se na Península Ibérica (onde somos pequenos), se no mar (donde desistimos ou forçados a desistir), se sozinhos (onde, tantas e tantas vezes, nos encontramos), numa solidão colectiva.
Os caminhos são vários, mas não nos decidimos: protelamos e, por tal, somos uma nação eternamente adiada à espera do milagre salvífico cujo fim ainda não descortinámos, cuja finalidade no mundo nos atormenta desde o primeiro momento de rebeldia que foi a independência… Se sabemos (ou julgamos saber) o porquê da nossa existência, há a pergunta que nos transcende: existimos para quê, com que finalidade?
Tal questão (a uma escala diferente) é válida para a nossa amada Guarda.
Se Portugal se “entrecruzilha”, a Guarda tanto ou mais. Temos perdido importância e liderança ao longo do tempo para as cidades vizinhas. Continuamente esvaída de gente (capaz), temos sobrevivido (também) à custa das aldeias, elas próprias a definhar. A capitalidade é pouco mais que simbólica, tanto mais que por este andar, não haverá região: as cidades serão vilas, as vilas aldeias e as aldeias… nada, ou pouco.
As comparações são sempre complexas de balizar, mas é comumente aceite que as cidades mais cercanas têm evoluído em alguma população e certa atractividade. Se importam as causas profundas, os interesses e desinteresses associados para tal, é sobretudo premente, agora, e tendo consciência plena donde estamos (ou donde não estamos) pensar, traçar e implementar um plano estratégico para a Guarda a longo prazo: como queremos estar daqui a 20/30 anos? Que áreas são estruturantes? Plano que saia da alçada partidária, mas que com ela comungue, numa lógica de que seja executado independentemente de quem comande os destinos e os desígnios governativos municipais. Chamem-se pessoas dos mais diversos quadrantes (competentes e pensantes), “suguem-lhes” as ideias, faça-se a síntese e implemente-se o Plano-de-acção, livre das palas e das amarras dos partidos políticos e desprovido de preconceitos ideológicos. As ideias, as boas ideias bastam por si próprias, se bem delineadas e melhor materializadas, na óptica do melhor para a urbe.
Se o sítio (situação) onde estamos, não foi o escolhido por nós, o sítio para onde queremos ir, pode ser… e depende em muito daqueles que foram escolhidos para estarem à frente dos nossos destinos enquanto comunidade. São eles que têm de pedir, desafiar, motivar, ouvir, decidir e concretizar (dentro do bom-senso e das circunstâncias dos momentos) o tal plano estratégico.
Não importa tanto assacar constantemente a culpa por estarmos onde estamos, mas sim imperioso perceber como estamos e definir para onde vamos. Para isso, aos políticos pede-se que sejam resolutos, mas ponderados; pragmáticos, mas reflexivos; confiantes, mas humildes para que na simplicidade (e tantas vezes, na adversidade) o bem-comum seja a causa primeira e a finalidade última de qualquer e toda acção na Pólis.
Contudo estes pressupostos esbarram (quase sempre) numa questão democrática: as eleições! Paradoxalmente, as eleições (livres) - esteio e pedra angular da democracia- podem ser (e são tantas vezes) obstáculo a que haja um planeamento de fundo, abrangente e durável. Seja local ou nacionalmente, na ânsia de se querer ser eleito ou reeleito (mandatos mais longos e únicos, poderiam ser a solução) pensa-se a imediatez na voracidade do(s) momento(s) para se ganhar a qualquer custo: o objectivo último deixa de ser planear o território e as comunidades para ser eleito pelo respectivo partido. Não espanta portanto que a acção governativa se paute pela visibilidade constante na comunicação e redes sociais, numa urgência de presente que de visão estratégica pensada, estruturada e fundamentada só (quase) a de propaganda. Nesta perspectiva, o múnus político deve ser actuante, mas desmediatizado; presente, mas discreto; conhecido, mas não imposto, sob pena de o excesso de presença gerar indiferença.
Sem grandes considerandos teleológicos e simplificando (muito), o Fim da Guarda (e de Portugal) não pode ser outro do que possibilitar às (suas) gentes um Espaço-tempo de dignidade, bem-estar, de enraizamento, de busca incessante pela felicidade (pessoal e colectiva)… numa continuidade ad aeternum…
Particularizando, na Guarda, este fim esbarra numa série de circunstâncias e condicionalismos que concorrem para o seu esvaziamento e que tornam Portugal cada vez mais descompensado territorialmente (unitariamente?). A denominada coesão territorial é cada vez mais uma expressão sem expressividade; isto tanto mais, quando se ouve falar de um estudo que propõe o encerramento da nossa maternidade! Tal estudo devia ser imediatamente público e não ter acontecido o que aconteceu, com informações avulsas e contraditórias. Revelando-se a sua existência, teria de ser escrutinado publicamente; não o fazer, demonstra falta de respeito pelas pessoas, pretensa superioridade intelectual, ou incompetência, ou tudo junto: a não ser que lançar esta notícia tenha tido o intuito de aferir acções, reacções e uma espécie de habituação à decisão e ao propósito político, para que quando for efectivamente anunciado a sua aplicabilidade, as gentes já estejam resignadas ao facto consumado. Proceder assim é algo de que tantos políticos enfermam: a esperteza saloia, o provincianismo último… é a nossa desgraça por sermos assim (des)governados.
Se tal decisão política ocorrer (o fecho da maternidade) que critérios e, desses, quais os que mais contaram? Mas nem devíamos discutir tal: a tão propalada coesão territorial pressupõe que muitos dos critérios (supõe-se) nem os devesse ter em conta. O fecho de serviços, em que área for, na nossa região faz com que haja mais e mais assimetrias nacionais com a consequente perda de condições e qualidade de vida (para todos).
O Interior precisa de um Trato-preferente: é discutível? É. Será ético? Será! Poder-se-ão esgrimir argumentos racionais e lógicos (que os há também), mas fechar a maternidade é, do ponto de vista simbólico (e como o ser humano o é), fechar a Guarda! Fechar a Guarda ao presente, fechar a Guarda ao futuro que se constrói… no presente. É fechar-nos ao nosso próprio passado e à Memória...
Se tal acontecer, podemos ir todos para Lisboa viver, ou emigrar, ou sermos anexados por Espanha, ou tornar-nos independentes!.. Exageros à parte, importa não cairmos numa certa domesticação, numa certa dominação de pensamento que nos possa habituar à ideia da inevitabilidade de tal medida, como ao longo do tempo tem e está a acontecer em várias áreas. É curioso que na dialéctica (cada vez mais sem sentido) Esquerda/Direita- e cada vez mais canibalizada pelas tribos partidárias (extremistas, mas não só) - seja a esquerda (de novo) a ruminar o fecho da maternidade!
Nascer (o local de nascimento) é a primeira marca identitária de cada indivíduo (muito mais como portugueses); donde nos enraizamos e brotamos numa universalidade (às vezes errante, às vezes errática) que nos confere uma Presença- na comunidade e no país, primeiro e depois no mundo- de que (não raramente) nem nos apercebemos, talvez porque não nos percebemos…
Não podemos permitir que nos roubem o nosso nascimento!
“Marchemos” todos sobre Lisboa, se necessário- e se até “o anjo é da Guarda”, que nos guarde desta ignomínia!
E ainda assim, umas espevitações:
Poderá a Guarda operar (a partir de si) um Portugal-outro?
Poderia a Guarda enunciar a centelha de uma Ibéria futura?
Poderia a Guarda originar um território-tempo, liberto, da presença-impresente de Lisboa?