terça-feira, 20 de dezembro de 2022

As invasões francesas e a freguesia de Vila Fernando

Graça Sousa- Professora

1ª parte
Em 1810, no início da 3ª invasão, o exército francês, comandado por Massena, entrou em Portugal, atravessando a fronteira da Beira Alta e apoderando-se, em 27 de julho, da praça de Almeida. Os militares franceses avançaram sobre Lisboa, mas, na impossibilidade de ultrapassarem as linhas defensivas de Torres Vedras, bateram em retirada e, depois de algumas batalhas, dirigiram-se novamente à fronteira.
A sua passagem foi acompanhada por níveis inauditos de violência: pilhagens de objetos de valor, roubo de víveres, ferimento e tortura de civis; incêndios e destruição total de casas, campos e sementeiras; violações; assassínios…
No dia 3 de abril de 1811, ocorreu um confronto no Sabugal, entre as tropas anglo-lusas e as francesas. Estas últimas seriam, em breve, empurradas, finalmente, para lá da fronteira.
Depois disso, foi pedido aos párocos que elaborassem “Relações”, registando os danos causados pelo invasor nas suas freguesias e, a partir desses documentos, foram criados “Mapas”, que se encontram guardados na Torre do Tombo, com o resumo das informações.


Mapa geral das mortes, incêndios, roubos, e mais danos feitos no Bispado da Guarda pelo Exercito Frances comandado pelo General Massena, e na sua retirada em 1811

Na região da Guarda, os prejuízos foram notórios e, por aquilo que percebemos, os registos ficaram aquém da realidade, pois nem todos os párocos responderam e, dos que o fizeram, alguns não discriminaram as perdas, limitando-se a referir, de forma genérica, nas suas “Relações”, “que os inimigos tinham levado ou destruído tudo, frutos, gados, roupas […] não deixando cousa alguma senão a fome, e a miséria que vai destruindo a população a passos largos”.
Segundo esse “Mapa geral”, no aro da Guarda, onde se incluía a freguesia de Vila Fernando, o “valor das ruínas nos Templos e Casas Religiosas; vasos sagrados roubados ou destruídos, dinheiros de Instituições Pias […] expressado nas Relações” ascendeu a 12.417$980 (reis) e o “valor dos roubos feitos aos particulares em dinheiro, víveres, roupas e mais trastes; danos pela ruína das casas e prédios rústicos com quantias expressadas nas Relações” atingiu 422.612$490 (reis). Os militares franceses, famintos, roubaram, na região, tudo o que os pudesse alimentar: 40.186 alqueires de “grão frumentáceo e legumes”, 1727 alqueires de castanha seca, 593 alqueires de castanha verde e batatas, 1978 almudes de vinho e vinagre, 315 almudes de azeite, 141 arrobas de carne de porco salgada, 115 “colmeas reputadas a 1000 rs cada hua”…
Entre a população, sucumbiram, pelo menos, 1127 pessoas: 505 de morte imediata e 622, posteriormente, devido a pancadas, tiros e outros tipos de violência.

2 comentários:

Ana Isabel Fonte disse...

Obrigada professora, por partilhar a sua investigação.
É a guerra no seu esplendor do ontem, de hoje e, para mal dos nossos pecados, do futuro, onde a miséria,... e a malvadez humana é elevada aos extremos.
Apesar da tentativas de humanização que se vão registando em pomposos papéis timbrados, selados e rubricados ao som de palmas e de músicas sinfónicas, são os próprios signatários os primeiros a esvaziar e rasgar esses acordos, quando há oportunidade de dominar o vizinho na ganância de ser tornar "o maior".
As nossas regiões fronteiriças, primeiro com Castela e depois com a Espanha, viveram constantemente o citado no vosso relato. Do mesmo mal sofreram as regiões autónomas, (onde resido), nas "visitas" anuais da pirataria no período de maio a novembro, na ânsia de completarem o carregamento das embarcações no caminho de regresso às suas bases portuárias.
Pelo que a oração bíblica "Livrai-nos Senhor da fome, da peste e da guerra" continua vigente e deverá ser reproduzida, diariamente, nas "nossas orações".
Boas festas
Zé Domingos

Luís Filipe Gonçalves Soares disse...

Passamos a Vida a fazer ou a combater o mal... é a sorte-triste da nossa condição humana.
Abraço Zé