Uma das características (fascinantes a priori) do ser humano é a capacidade (ilimitada, ainda que tremendamente limitada, tantas vezes) de elaborar pontos de vista do mais leviano facto até questões altamente significativas. Pontos de vista de uma objectividade e racionalidade quase que desarmantes, e pontos de vista de uma subjectividade e incoerências perturbantes- no mínimo; no meio, todo um conjunto de cogitações, observações e um sem número de contradições.
Perante uma mesma realidade, é interessante observar as formas (completa e complexamente díspares) como cada qual a justifica. E o assunto pode ser o mais corriqueiro. O enquadramento e a concordância ou não sobre determinados factos, acontecimentos leva ao surgimento de todo um conjunto de argumentário e contra-argumentário que se repete uma e outra vez, até um dos oponentes ceder por… cansaço ou condescendência… ou por terceiros, que introduzem novas temáticas- sendo quase certo que novas contendas floresçam; e outras e outras… Normalmente, depois de tanta digladiação, cada um fica com o seu ponto de vista, com a sua razão!
Ora se, no dia-a-dia, estas disputas argumentativas são quase que irrelevantes (se não levarem, como levam tantas vezes, a amuos, zangas e até a forças medidas), nas grandes questões da nossa vida individual e colectiva, são de grande pertinência.
De facto, o pensar e o querer ter sempre razão é um problema em si mesmo. Se na vida pessoal isto gera desgostos duradouros, por vezes insanáveis; na vida profissional atritos permanentes; na vida política gera conflitos imanentes, nunca resolúveis, substituídos sistematicamente num ciclo interminável de confrontação.
Os partidos políticos aproveitam bem esta lógica latente (inata?) de conflitualidade que emana da individualidade de cada qual: arregimentam uns poucos, uns tantos, uns muitos e “cegam-nos” com a sua própria razão (e intolerância) não deixando espaço mental para ouvir verdadeiramente os outros: a eterna lógica do Eu contra o Outro, o Nós contra o Eles.
O espaço mediático e imediato (e aqui já nem se inclui o desvario das redes sociais) fica intoxicado nesta logicidade e a democracia mais débil. As boas ideias que existem estão enfermadas à partida: porque elas servem logo para manifestar a excelsa, única superioridade do “nosso lado”; porque querem desacreditar e ridicularizar o “lado deles”; porque querem com isso, a todo o custo, ganhar as próximas eleições e as que se seguem e as outras e as outras… Nos entretantos de tudo isto, talvez se encontre algo parecido com o Bem-comum. Isto, mina a confiança nas pessoas, nas instituições, nas organizações, no país, na humanidade.
E voltamos ao princípio: o meu ponto de vista, a minha razão é que é a verdade, a realidade como tal.
Conseguirmos perceber (e aceitar) que os nossos pontos de vista, em matérias diversas, podem não ser os mais acertados e que podemos (e às vezes temos) mudar de opinião sem que isso nos menorize, exige um profundo e profuso trabalho intelectual e moral… de análise, de honestidade para connosco próprios, que não se afigura fácil, que é dura, mas necessária para o equilíbrio individual e consequentemente colectivo.
Ouçamo-nos! Verdadeiramente.
Pontos de Vista!..