O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro
O poema deste heterónimo de Fernando Pessoa é, para mim, um dos maiores paradoxos que vivo. Quem me conhece sabe o fascínio que sinto relativamente aos rios, ao ruído constante e natural, como gosto de me deixar ficar simplesmente a fitar a corrente que passa.
Se há algo que me fascina nos rios e nos locais que por eles são banhados é a confluência das pessoas e das aldeias para o rio, a vida que gira em torno dele. O rio é, nesses casos, um verdadeiro propulsor da atividade económica em todos os locais por que passa mas também um espaço de contacto com a natureza no seu estado mais puro permitindo, a cada passo, uma vivência e uma sensação diferentes determinadas pela diversidade da sua fauna e da sua flora.
Quis o destino que crescesse a ouvir histórias de um rio. Um rio em que as pessoas se banhavam alegremente no Verão; em que se podia pescar; em que as mulheres se juntavam para lavar a roupa ou as tripas aquando das matanças; um rio que era fonte inesgotável da riqueza agrícola e em que os melhores terrenos se situavam todos nas suas margens.
Cresci a ouvir histórias que, infelizmente, nunca vivi. E como gostava de as ter vivido. Talvez seja por esse motivo que adoro rios e invejo todas as localidades que têm um rio.
Um dia gostava de ensinar um filho meu a pescar num rio, gostava de o ver brincar às escondidas por entre a densa flora que o esconde e que com ele serpenteia os espaços por onde ele passa, gostava de me banhar alegremente nesse rio e sentir como o rio é parte do que todos somos enquanto comunidade.
Não sei se esse dia vai chegar, sei apenas que desejo com todas as minhas forças que chegue.
Porque esse rio de que falo é apenas a maior chaga poluente que o nosso distrito conhece. A suprema vergonha de quem tendo responsabilidades na matéria nada fez para evitar a lenta degradação a que o mesmo foi sujeito durante mais de 25 anos. 25 anos!! O suficiente para destruir toda a fauna e toda a flora, o suficiente para tornar os terrenos mais férteis absolutamente improdutivos, o suficiente para destruir a memória e a esperança de uma comunidade.
Diz o poeta que o rio da sua aldeia não o faz pensar em nada, que quem está ao pé dele, está só ao pé dele. Sorte a desse poeta e sorte a dessa aldeia.
No rio da minha aldeia isso é impossível! O rio da minha aldeia chama-se Noéme.
Tiago Gonçalves
( Crónica publicada no jornal Terras da Beira da pretérita semana.)