segunda-feira, 7 de abril de 2014

O Rio da minha aldeia- Tiago Gonçalves

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro

O poema deste heterónimo de Fernando Pessoa é, para mim, um dos maiores paradoxos que vivo. Quem me conhece sabe o fascínio que sinto relativamente aos rios, ao ruído constante e natural, como gosto de me deixar ficar simplesmente a fitar a corrente que passa.
Se há algo que me fascina nos rios e nos locais que por eles são banhados é a confluência das pessoas e das aldeias para o rio, a vida que gira em torno dele. O rio é, nesses casos, um verdadeiro propulsor da atividade económica em todos os locais por que passa mas também um espaço de contacto com a natureza no seu estado mais puro permitindo, a cada passo, uma vivência e uma sensação diferentes determinadas pela diversidade da sua fauna e da sua flora.
Quis o destino que crescesse a ouvir histórias de um rio. Um rio em que as pessoas se banhavam alegremente no Verão; em que se podia pescar; em que as mulheres se juntavam para lavar a roupa ou as tripas aquando das matanças; um rio que era fonte inesgotável da riqueza agrícola e em que os melhores terrenos se situavam todos nas suas margens.
Cresci a ouvir histórias que, infelizmente, nunca vivi. E como gostava de as ter vivido. Talvez seja por esse motivo que adoro rios e invejo todas as localidades que têm um rio. 
Um dia gostava de ensinar um filho meu a pescar num rio, gostava de o ver brincar às escondidas por entre a densa flora que o esconde e que com ele serpenteia os espaços por onde ele passa, gostava de me banhar alegremente nesse rio e sentir como o rio é parte do que todos somos enquanto comunidade.
Não sei se esse dia vai chegar, sei apenas que desejo com todas as minhas forças que chegue. 
Porque esse rio de que falo é apenas a maior chaga poluente que o nosso distrito conhece. A suprema vergonha de quem tendo responsabilidades na matéria nada fez para evitar a lenta degradação a que o mesmo foi sujeito durante mais de 25 anos. 25 anos!! O suficiente para destruir toda a fauna e toda a flora, o suficiente para tornar os terrenos mais férteis absolutamente improdutivos, o suficiente para destruir a memória e a esperança de uma comunidade.
Diz o poeta que o rio da sua aldeia não o faz pensar em nada, que quem está ao pé dele, está só ao pé dele. Sorte a desse poeta e sorte a dessa aldeia.
No rio da minha aldeia isso é impossível! O rio da minha aldeia chama-se Noéme.

Tiago Gonçalves
( Crónica publicada no jornal Terras da Beira da pretérita semana.)

11 comentários:

Anónimo disse...

será tão dificil ligar uma conduta de uma fábrica a uma estação de tratamento????

Anónimo disse...

Crónica interessante, mas uma pergunta é necessária: qual é a sua aldeia? gata, vila Garcia, vila fernando, rochoso?...

Anónimo disse...

Na minha modesta opinião penso que o Tiago neste texto não quis dar ênfase à sua aldeia, mas sim a TODAS as aldeias pelas quais o rio passa.
O objetivo aqui é falar do rio e dos problemas que ele tem.

Anónimo disse...

Bela crónica. É lamentável que a situação do Noémi não se resolva de uma vez por todas. Entidade públicas e a fábrica todos têm ficado muito mal nesta questão.

Anónimo disse...

Bonito ARTIGO.
Revejo NELE uma parte da minha juventude que, como ELE,... já lá vai: ELE pela ação egoísta do "homem" e ela pela lei da natureza. Mas a recordação essa é minha,... nossa.
Força, pois às derrotas nas pequenas batalhas, virá, pela persistência da vossa luta, a vitória na nossa guerra: NÓS, POR DIREITO, QUEREMOS O NOSSO NOÉME DOS ANOS SETENTA.
Zé Domingos

Anónimo disse...

Mas uma pergunta continua a fazer sentido, qual a sua aldeia: Cerdeira, miuzela, pailobo?

Luís Filipe Gonçalves Soares disse...

Segundo consegui apurar, o Tiago é do Jardo!!!!! mas tenho de investigar melhor!!!!!!!
Como Vilamendense,tal como o Tiago, também cresci a ouvir histórias e estórias do Noéme. Sítio onde, para além dos afazeres agrícolas, se esgrimiam atributos atléticos, onde se reforçavam laços, onde, na paisagem bucólica, os rapazes punham em prática a arte de bem galantear as moças da terra e arredores... dizem... porque também já não tive o privilégio de ali ser imbuído pelo espírito inebriante do rio que tantas gerações ajudou a formar...
Mas pensando bem, o tiago talvez seja de ali mais para os lados de Monte Perobolso!!!!! É provável!!!!!

Anónimo disse...

Belo texto Sr. Tiago Gonçalves..imagino onde foi buscar a inspiração..estaria nalguma adega cooperativa a pensar no assunto?..sim porque através de um milagre, da água se faz vinho, que não será o caso do rio que passa na sua bela aldeia!..contudo gostei desse seu momento sério mas pouco sóbrio acerca do assunto!

Tiago Gonçalves disse...

O Tiago é da Quinta de Cima!

Anónimo disse...

Da Quinta de Cima?! Mas o rio nem sequer lá passa!

A.D disse...

claro! o rio passa sempre no fundo nunca em cima.A.D