No inconsciente da humanidade ecoa como que uma tristeza (primordial) do pensamento que advém (?) do início dos inícios fundacionais do universo: daquele instante- ruidoso- que originou (?) tudo. Aquele ruído de fundo, antes do ruído de fundo da Queda do Homem do Jardim do Éden, que se incrustou no mais íntimo do ser. E que está sempre lá. E sempre connosco. Esse ruído que empresta uma tristeza ao nosso pensar e dela não nos podemos livrar; ainda que o quiséssemos. Uma tristeza inescapável.
Uma tristeza que, apesar de tudo e quase que paradoxalmente, pode ser geradora dos melhores pensares, criativos, profundamente transformativos. E uma tristeza que pode ser geradora dos piores olhares, descriativos, profundamente destrutivos.
A maior parte das vezes, o pensamento é povoado, atolado, bombardeado por uma miríade de pequenos pensamentos que afloram ininterruptamente à consciência. Uma torrente constante, mas inconstante que só cessa no fim da vida.
Espontânea e aleatoriamente (supõe-se), somos aturdidos pelos mais diversos pensares de toda a tipologia que surgem tal e qual como vão. A quase totalidade perde-se nas teias do esquecimento. Discipliná-los é tarefa árdua e poucas vezes conseguida. A concentração focada e absoluta ou o alcance do vazio, do nada (que já é algo!) está ao alcance de uns muito poucos (e por pouco tempo). É desgastante, enormemente e (se calhar) irreversivelmente esgotante. Talvez os pequenos e estranhos e inúteis pensamentos com que convivemos sistematicamente, a todo o momento e em todos os momentos sejam preponderantes para não entrarmos em fadiga e colapso mental (logo físico). Se estivéssemos permanentemente focados e alheados de todos esses pequenos pensares, essa concentração total seria exaustão fatal.
Respirar e pensar, dois processos que o ser humano não pode fazer parar. Quando acontece, é a morte (única certeza?). Ainda assim, podemos suster a respiração. Não é certo que consigamos fazer parar o pensar. E nesta perspectiva tornamo-nos como que escravos dele: uma relação déspota. Carregamos o seu peso, o peso do pensamento, até ao fim.
De facto, o existir no mundo, o habitar do mundo é feito pela via do pensar, que possibilita a acção: embora não seja de todo verificável haver um continuum entre pensamento e acto; muito menos entre o que se pensa, projecta e idealiza e o que na prática se consubstancia; e ainda muito menos haver uma tradução dos sentimentos, das intuições, das sensações, de qualquer ideia intelectual e psicológica superior pela linguagem em vista a uma expressão completa e total- o tal “não consigo dizer, colocar em palavras…”.
As nossas expectativas, as consequências das nossas expectativas saem recorrentemente frustradas pelo não conseguido. O antecipar de, o esperar de, o fantasiar de, o imaginar de, tantas vezes não corresponde em nada (ou em pouco) à realização efectiva. Raras vezes a experiência suplanta a expectativa. Demasiadas vezes, não existe relação, ou pelo menos correlação, entre pensamento e concretização. Talvez por isso, demasiadas vezes, a realização (o pós-realização) das nossas aspirações, dos nossos quereres enviam-nos para um vazio de tristeza (é aqui que tem de entrar a esperança que nos permita voltar a desejar e a querer…).
Por outro lado, o recepcionar, o perceber do mundo não é nu. Há sempre conceitos, pré-conceitos, preconceitos derivados de interferências de vária natureza: culturais, dogmáticas, religiosas, psicológicas… Portanto, não há recepção inocente, pura (por muito espontânea que pareça) do mundo, do “lá fora”, pela consciência (ou haverá?): as teorias do conhecimento bem tentam encontrar esse ponto “zero” livre das tais pressuposições e predisposições, sem ingerência alguma (Husserl, kant, Descartes e outros), mas… A experiência fica como que comprometida (sempre) no filtro do pensamento. A Queda do Homem é a queda do pensamento?
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário