Falar de histórias e estórias da nossa terra, não é nada de extraordinariamente difícil. Existem pessoas em que a sua vida dava um bom livro. É o caso do Sr. Raúl, chamado de “Casona”. No alto dos seus setenta e cinco anos (se não me engano) tem um reportório de estórias que só visto (um dia havemos de escrever vários capítulos sobre ele). Por agora, só vos damos uma amostra pequena das inúmeras vivências que poderíamos contar acerca de tal personalidade. O Sr. Raúl é um homem relativamente bem constituído com cabelos já brancos, escondidos na boina que o acompanha desde sempre; barba de sete/oito dias meia arruivada, cajado na mão; cigarro na boca, arma no bolso: “a gente por lá, nunca sabe o que pode encontrar, pá!..” De há uns bons anos a esta parte é pastor: Chegou a ter mais de cem; hoje terá cinquenta; daqui a uns tempos não mais de dez: “já tou a ficar velho pá, quem cá fique que trabalhe” diz ele num tom e numa postura improváveis de recriar em palavras. Com uma história sempre pronta para contar, com uma estória indelevelmente incrível para nos surpreender, num jeito que de si nos coloca imediatamente sintonizados empaticamente com ele: “se calhar pá…” (apostamos que quem o conhece está neste momento a visualizar o gesto subsequente a esta frase enigmática e a esboçar um sorriso). Contamos agora um episódio… só para vos aguçar a curiosidade!
O Sr. Raúl, casado com a Sra. Ester, vai, como é normal, para os terrenos dele tratar dos afazeres agrícolas. Numa dessas idas aconteceu algo atípico: “queres ver pá, íamos para as Lugueirinhas (lugar em Vila Mendo; pensamos ser este o sítio para onde se dirigiam) no carro do burro e ela sempre a bater no burro. Sabes, ia com a pressa, como sempre… aquela parece que tem fogo no rabo, num pára, sempre a trabalhar; eu se fosse da ideia dela pá, já tínhamos volto Vila Mendo ao contrário, eu que não tou p´ra isso… se calhar pá… Oh pá, eu já tava a ver o caso mal parado e pensei- o Raúl tem de descer do carro. Cheguei-me ao pé dela e disse-lhe- Ouve lá, pára aí o carro que eu preciso de ir urinar, tu vai andando que eu já lá vou ter. Oh pá... o burro parecia um tiro por o caminho afóra. Nem de propósito, na curva a seguir o carro do burro passou por uma pedra e com a velocidade que ia virou-se. Quando lá cheguei, lá tava a Ester tombada debaixo do carro do burro; Cheguei-me ao pé dela e perguntei-lhe- Ouve lá pá, magoaste-te?- Não- Então foi-te bem feita!..”
Conta isto bebendo de lampejo um trago de vinho e enquanto acende mais um cigarro, de enrolar... na boca, o cigarro, percorre-a incessantemente deixando-o todo molhado, consumindo-se praticamente sozinho e as piriscas… as piriscas, senhor, vão, invariavelmente, parar ao chão. Toda a postura, toda a entoação das palavras, diríamos mesmo todo ritual que configura todo o contar das suas “aventuras”... são manifestamente impossíveis de descrever, contudo vamos contar mais uma… ou se calhar não… fica para a próxima “estória da Terra”!
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