sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Vozes da Terra- Manuel Corte

Vendedores Ambulantes e outros Viandantes (anos sessenta)
Com os produtos transportados à cabeça, em mulas, carros de mão, burros e outros, vinham até nós a peixeira do Adão que vendia à dúzia ou ao quarteirão (25 unidades) as deliciosas sardinhas e três chicharros, com 25 a 30 centímetros de comprimento, pelo preço de 2H50 (dois escudos e cinquenta centavos), valor equivalente, hoje, a um cêntimo e vinte e cinco!
O azeiteiro que vinha do Mondego (Lageosa, Faia ou Aldeia Viçosa) fazia-se transportar na sua mula e oferecia-nos o delicioso produto (azeite) que comportava em “odres” (pele de animal, devidamente limpa e com a parte inferior da mesma volta para dentro fazendo lembrar sacos do tipo alforges que caiam cada uma para seu lado da mula).
Surgiu também o "petroleiro" (ou azeiteiro) com a sua carroça puxada por mulas vendendo entre outros bens : açúcar, massas, bacalhau, arroz e muitos outros congéneres, dando o seu sinal de chegada com a corneta de latão.
Dos lados do Sabugal, mais propriamente da Nave, vinha o Sr. Manuel Portas e do Toito vinha o seu irmão, o Sr. Zé Portas que capavam (castravam) os suínos (gorrilhos), porcos de raça preta oriundos do Alentejo. O seu anúncio era feito por uma gaita-de-beiços.
Não queria descurar o tão conhecido Carlitos das Facas e Foices que coxeava perante a presença de alguém e corria como desalmado quando se apercebia que não estava a ser visto!
O Sr. Chico das Bananas, nome por que era vulgarmente conhecido, irmão da Senhora Zulmira de Vila Fernando, vinha da Covilhã com cestos de Verga e trazia-nos as laranjas, as bananas, os figos, os pêssegos e outros frutos que trocava por batatas, ovos, ou galinhas.
Também semanalmente, ao Domingo pela manhã, vinham, o Sr. Manuel Barbeiro e o seu filho Sr. José Barbeiro, cortar o cabelo e barba aos seus clientes num espaço anexo à casa do S. Elísio da Fonte, no lugar da Amoreira, onde se juntavam vários homens, para gracejar e falar da vida rural. O Barbeiro era, na falta do médico, o curandeiro/enfermeiro que administrava injecções. Como o dinheiro era escasso, cobrava o seu trabalho em géneros: centeio, milho, feijão, batatas… e este contributo era feito anualmente.
A “Ti” Leopoldina do Monte Carreto, e avó da Cristina do Zé Albino, ia com frequência à Espanha(Fuentes de Oñoro) trazendo consigo entre outras coisas: trigo espanhol, óleo de fígado de bacalhau, alpergatas e o doce “Ceregumil” que a minha saudosa mãe nos dava para abrir o apetite. Esta pequena actividade era denominada por contrabando, pois tudo o que se levasse para além fronteira ou se trouxesse estava sujeito a coima ou a ficar sem o produto.
Radicado no Adão, mas descendente do Dominguiso, Covilhã, vinha o Luís Moco acompanhado do filho oferecendo vários tecidos, entre eles o conhecido “Serrubeco”, tecido quente que também era usado na confeção de calças e usado na feitura do capote tradicionalmente engalanado com a gola de raposa.
O “Ti” Domingos de Argomil também era visita obrigatória todos os meses: pedia esmola para sua subsistência e pernoitava com frequência em casa da Senhora Professora, Dona Noémia (Antónia) de Vila Garcia.
Os Latoeiros ou caldeireiros também eram presenças habituais na nossa aldeia. Consertavam pequenos orifícios em tachos, panelas de ferro, caldeiros, baldes de extrair água dos poços ( “ógar” os poços), entre outros trabalhos. Faziam, a pedido do cliente, caldeiros de zinco, copos de nora, assadores de castanhas, etc… Um destes “funileiros” fazendo-se acompanhar por uma das suas filhas, que aleijada de uma das mãos pelo próprio pai, batia com o martelo duas vezes no objecto e uma na mão da pequena cantando ao mesmo tempo a seguinte quadra:

O pintor pintou Santa Ana
Também pintou Santa Leonor
Pintou a Senhora de Fátima
Com tinta da mesma cor

Como recordar é viver, voltarei a este espaço de memórias com mais relatos e factos das minhas vivências de meninice.
                                               Manuel Corte


3 comentários:

Júlio Manuel Antunes Pissarra disse...

Bonito Artigo. Gostei.

Anónimo disse...

Parabéns Manel,
É mais legado para o futuro...
Ainda recordo de muitos destes vendedores. Falta mencionar o papel dos ciganos, do amolador de tesouras e vendedor de facas e o vendedor de olaria. Este último, encostado à casa do sr. Elísio grampeava as "barranhas de barro" rachadas e os grandes pratos brancos que serviam de travessas nas ceifas e nas malhas . Lembro-me de ver, nas tardes de domingo, os nossos jovens jogar o "jogo da cântaro" comprado ao oleiro. Quem o deixava cair, ... comprava outro.
Mais uma vez, um sincero obrigado.

Zé Domingos

Júlio Manuel Antunes Pissarra disse...

Zé Domingos: para quando o relato das tuas Memórias e Recordações da vida em Vila Mendo? Abraço para ti e para toda a tua familia.