Ainda na ressaca do Festa do Chichorro, publicamos o artigo que o Tiago Gonçalves escreveu, na pretérita semana, no jornal Terras da Beira, na coluna "A Frio e a Quente", sobre isso mesmo.
Festa do Chichorro
Este espaço é dado a estados de alma. Uns saem para a escrita a frio e após longa ponderação e outros a quente, uma escrita mais próxima do coração. O de hoje sai com a assumida emoção de quem escreve sobre as suas raízes profundas e com o profundo orgulho de quem procura contribuir, ano após ano, para que as mais ancestrais tradições gastronómicas das nossas aldeias não sejam votadas ao esquecimento.
O Chichorro, conhecido em muitas outras paragens como torresmo, não é um alimento da moda nem tem como se encaixar em nenhuma nouvelle cuisine nem como aspirar a conseguir a denominação de gourmet. Não é light, nem fit, nem diet. E essa é a suprema preocupação do chichorro pois não pertence à categoria dos alimentos procurados nesta era moderna!
Mas o chichorro é nosso, é genuíno, é puro e rural. Como o são os enchidos com a Morcela da Guarda à cabeça. E correm todos risco de desaparecimento se seguirmos à risca os ditames do politicamente correto por não estarem em concordância com os cânones modernos que olham para estes produtos como nocivos.
Desde tempos imemoriais que o porco assumiu um papel primordial nas comunidades rurais, sobretudo pelo relevo que tinha na alimentação e sobrevivência das famílias. Devido às parcas condições económicas o aproveitamento do porco tinha que ser feito com parcimónia e preocupação de que nada fosse deixado ao acaso. E assim surgiram produtos e petiscos de fazer crescer água na boca e que muitos dos que lêem este texto certamente se recordam.
No que ao chichorro diz respeito havia duas qualidades: o do coiro, que era constituído, basicamente, pela carne entremeada cortada em pequenos pedaços e o do “redanho” apenas constituído pela gordura existente nas massas gordas do animal.
A sua confeção era simples. A carne era introduzida em panelas de ferro diferentes e aí frita na própria gordura que libertava. Apenas era acrescentado sal grosso a fim de realçar o seu sabor. Depois de confecionados, eram então espremidos para que o excesso de gordura fosse libertado. Depois de arrefecerem os chichorros eram finalmente comidos com uma fatia de bom pão centeio acompanhada de um melhor copo de vinho tinto.
É esta forma simples, genuína e assumidamente rural que de há alguns anos a esta parte temos procurado recuperar na aldeia de Vila Mendo. E por isso, uma vez mais, no próximo sábado a tradição estará viva com o reviver de toda a gastronomia associada à matança. Desde a prova dos miúdos antes de almoço, à fritura do chichorro durante a tarde, passando pela “miga” (composta de pão, sangue, azeite e alho) os sabores ancestrais que cresceram com muitos de nós estarão à mesa sendo por alguns momentos enaltecidos como merecem.
É também uma oportunidade de recordarmos os nossos antepassados, a festa que faziam nestes dias, a abastança que por um dia festejavam e que fazia esquecer as agruras e dificuldades dos outros dias. É tempo de recordar e sobretudo de impedir que caia no esquecimento o que nos trouxe até aqui.
Tiago Gonçalves
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