Vida e(m) pandemia
espécie de ensaio- 3ª parte dos textos publicados nos dias 5 de fevereiro e 2 de Abril
Esse salto de mentalidade (que denominei de modernidade-operante) pressupõe uma confiança no Eu, nas suas virtudes e potencialidades; uma confiança que nos permita arriscar para criar, sentir para agir derrotando o medo que paralisa a acção e inibe a transformação enquanto comunidade, enquanto sociedade.
Resquícios, provavelmente, do Estado Novo (e indo mais atrás, da Inquisição) parece haver um medo quase que inconsciente, mas latente, bem enraizado na mente e memória profunda dos portugueses que nos inibe de sonhar… grande, de desejar… muito, de nos tornarmos maiores (individual e colectivamente) como que não suportando o “pecado” de ousar mais. Habituámo-nos a um certo estilo de vida confortável (por comparação com o pré 25 de Abril) e daqui não queremos sair. E ao fardo que é pensar (pensar em sonhar), junta-se o fardo de não sonhar (mesmo). Uma dupla mágoa que nos aprisiona, esmaga e nos impede de arriscar, de ir mais além; almejamos pouco, desejamos pouco, fantasiamos pouco: contentamo-nos com pequenos prazeres, pequenas alegrias, pequenas coisas e tantas coisas que dá a ideia (aparente) de grandes acontecimentos realizados, de grandes façanhas concretizadas… A esta culpabilidade quase que “original” (como o pecado) não será completamente alheia a religião (Católica) que em muitas fases (que não esta, felizmente) nos inculcou o medo… de pensar, de questionar, de criar, de agir…
Enquanto povo, esta não-acção impede-nos de evoluir na modernidade (estamos e não estamos), permanentemente na cauda do progresso, com os mesmos problemas crónicos desde a revolução Liberal (que foi o cortar com o Antigo regime e o entrar na era moderna, se calhar sem entrarmos verdadeiramente…). Talvez por isto, olhamos para o que é nosso com desconfiança e adoramos tudo o que vem de fora. Elogiamos os outros (estrangeiros) e somos criticamente penalizadores com os nossos numa lógica de “bota abaixo” castrante e altamente penalizadora para a evolução do próprio país, numa perspectiva de subserviência que tolhe a tal ideia de modernidade-operante; queremos absorver tudo “dos de fora” e desprezamos os “de dentro”; o que nos leva a perceber que, além do queixume (de que falei na 2ªparte), a inveja é um problema que atravessa transversalmente toda a sociedade portuguesa e que mina por completo as tentativas de reformas progressistas e estruturantes que o país há tanto e desesperadamente precisa. E chega mesmo a destruir carreiras, projectos, pessoas: aquilo que o Outro faz nunca é suficientemente bom, porque isso também Eu fazia (mas não fiz) e melhor. O elogio é raro e quando acontece, por vezes, vem num tom que o desmascara… Incapazes de reconhecer o mérito no outro, tornamo-nos azedos, frustrados; não fazemos e inibimos (às vezes, num silêncio ensurdecedor) quem faz e cria de forma, tantas vezes, irreversível. Neste ciclo de inveja, mais observável ou mais sub-reptício, perdem-se oportunidades e caminhos de futuro.
Temos assim que o queixume e a inveja, a par de outros “atributos”, são o caldo de cultura da inoperância que perpassa em Portugal. E só com uma aposta forte, clara, objectiva, arrojada, pensada e estruturada na Educação, podemos começar a antever que estes dois constrangimentos (e outros) vão paulatinamente desaparecendo do Fazer dos Portugueses. Dar às crianças e jovens ferramentas e oportunidades para pensar, questionar, criticar (construtivamente), arriscar-criar, agir, valorizar-se a si e aos outros será uma das formas e meios para sermos um país de e com Futuro que nos permita não só viver, mas Existir com tal…
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