(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 27 de Fevereiro)
Aquilo que hoje se julga por comentador é diametralmente diferente daquilo que foi. O exegeta por excelência que decifrava e interpretava textos antigos e especializados (a Bíblia, o livro que mais comentadores e comentários suscitou, certamente) e com regras muito específicas, foi dando lugar ao comentário de texto aos textos literários nas universidades (mas em quase extinção, talvez).
Agora o comentador é aquele que apresenta um tipo de discurso derivado e cultivado no jornalismo (em que, por vezes, não há quase distinção entre factos e comentários). Além da decifração e da interpretação, ele prevê e esboça e arquitecta cenários de possibilidades infindas, a partir dos diversos momentos-presente. No fundo, analisa especulando a limites estratosféricos: projectando para o mundo a sua aura de intelectualidade pujante (pungente?!)
E o comentador dedica-se quase sempre à política: não há leitura (e só depois hermenêutica) intrínseca, imanente do discurso político; há configuração, a reconfiguração, a construção de narrativas… de narrativas, fortemente especulativas (o comentador como criador de conteúdos para serem comentados- o comentário que procura ardentemente outros comentários, e outros: numa profunda e profusa dialéctica auto-referencial).
E o comentador sabedor oferece e ajuda a perceber ao mundo a (sua) realidade, a (sua) verdade, o central na política. São tantos, e incessantemente, a oferecer tal que tudo se reduz a um vazio, a um nada que é quase… a uma passerelle de entendimentos-superiores-pretensos. Tudo se politiza e repolitiza a um nível desmedido que os cidadãos se tornam indiferentes, descrentes na causa pública e nos seus intervenientes. O comentador como agente político: os comentadores que se tornam políticos, e os políticos que se tornam comentadores- numa espécie de lógica de reversibilidade (político-comentarista)!
Na Guarda (e ainda que não atinjam o píncaro mediático dos nacionais) também temos os nossos comentadores, e com características (e funções) muito diversas e próprias que não importam (importando) agora deslindar e esmiuçar: ainda assim, mais profundos ou menos; mais interessantes ou nem tanto; mais previsíveis ou não; mais formatados ou nem por isso. Todos farão o (seu) caminho…
Seria interessante aferir na cidade se, e como se aplica essa tal lógica de reversibilidade nas eleições autárquicas que se avizinham. Seria interessante que alguns dos que comentam pudessem fazer o exercício de- quando em vez- verem e oferecerem um vislumbre de positividade naqueles e naquilo que constantemente e afincadamente criticam negativamente. Na sua leitura e análise à realidade conseguirem aportar sinais de esperança (real) à Guarda, fugindo ao modo do comentador como figura de reprodução, de eco, de reacção, de reflexo a…
Uma espécie de desafio retórico, sem o ser!..
Suscitações. somente. isso.
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