domingo, 22 de junho de 2025

o pensamento do Pensamento IV- o Silêncio

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 29 de Maio)

(continuação)
Mas… e de que silêncio falamos? Falamos do silêncio interior. Do silêncio estrutural- pedra basilar, eixo central do Ser- no mundo, com o mundo. Um silêncio que não é um simples adorno, que não é superficial, muito menos supérfluo. Que contrapõe ao silêncio exterior, e ainda que possam correlacionar-se são completamente distintos, uma vez que o exterior é aleatório e, não raras vezes pouco acrescenta, já o silêncio interior é bem intencional abre toda uma perspectiva de uma realidade nova para a própria realidade de nós próprios e da nossa existência. Este silêncio que não é fim em si mesmo; que é elevação, mas que também é acção e, por essa via, mudança podendo operar actos verdadeiramente transformativos na sociedade; que não é mudo, não é cego, não fica enclausurado dentro de si próprio nem nos limites de um qualquer espaço físico; que não é só mera ausência de ruído, prudente, ou só circunstancial (que também é).
Esse silêncio interior, profundamente reflexivo e, se calhar, radicalmente reflexivo, que, de alguma maneira, podemos aprender, ou pelo menos aprimorar e desenvolver para nos escutarmos a nós mesmos e assim olhar o Outro com a paciência, a atenção, a humildade, a misericórdia, o perdão, a disciplina… enfim, com uma esperança na humanidade. O silêncio que é feito de paragem: para perceber e assimilar o mundo que nos rodeia; de escuta: para entender os anseios e às vezes os devaneios do próximo; que é feito de olhar: para ver verdadeiramente e ir ao encontro das necessidades do outro (e de nós mesmos). O silêncio que precisamos trabalhar, apurar e depurar, certamente predispõe-nos a ouvir todo o tipo de silêncios que irão ajudar também e assim a escutar melhor o nosso próprio silêncio interior, e reorientá-lo para a vida prática; e a ligar-nos à essência do Ser e a religar-nos à Vida e ao Mundo como tal. Portanto, o silêncio a cultivar é um silêncio actuante, pleno de presença de sentido, de uma presença humana de sentido, que nos pode conferir um humanismo integral.
Esse silêncio que, por certo, causa receio por estarmos sem filtros connosco próprios; talvez mesmo um medo que sopra e insufla angústias e interrogações e dúvidas sobre o Ser, o Mundo, o futuro e o Destino nosso e dos nossos. Mas que temos de persistir- interpelando, perguntando, ultrapassando desafios e colocando novos desafios: solucionando-os e confiando… nos outros; obviamente em nós próprios; quiçá na transcendência… Um silêncio que é pensar reflexivo que dá as ferramentas necessárias ao pensamento crítico e estruturado, capaz de fazer pontes neste tempo polarizado no Nós e Eles, nos bons e maus. Que nos permita encontrar o destino, ou pelo menos o caminho. Mesmo no diálogo, que se estabelece nas mais diversas situações, formais ou informais, só ganha em profundidade quando pontuado pelo silêncio - enquanto ausência de ruído e depois, claro está, pelo silêncio que é escuta, que é respeito, que é confiança, sinceridade e empatia; e não silenciamento, refira-se e sublinhe-se.
Podemos até afirmar que o silêncio como que delineia a acção, e esta por conseguinte delineia o silêncio numa interacção profundamente dinâmica, simbiótica, visceral, inseparável, contínua; numa interacção plena de possibilidades, e por essa via de impossibilidades que podemos voltar a transmudar em possibilidades e em oportunidades pela insistência e persistência em teimar; em teimar encontrar soluções, ou pelo menos caminhos… de mudança… E precisamos também ensinar às novas gerações o valor e o valor do sentido- do silêncio interior- porque é dele que germina, que deriva a Palavra que será ouvida, problematizada, seguida, concretizada e dará frutos.
O silêncio que nos permite a prudência pensada, reflectida, planeada, agida e fecunda.
O silêncio pode ser pensamento; o pensamento é silêncio.


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