quinta-feira, 3 de julho de 2025

o Homem e o Competir

(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 19 de Junho)

Desde sempre (e talvez para sempre) o Homem está em permanente competição. Com o outro. Consigo mesmo. Uma força interior (inata?) que o empurra a querer ser melhor que os outros. Melhor do que ele mesmo. Nem sempre conseguido, isso. Esse isso que é aquilo que muitos aqueles (que somos todos, ou quase) teimam em demonstrar ao mundo: a sua excelsidade; a sua superioridade, a sua singularidade (real) face ao próximo e a todos os próximos.
De facto, queremos pensar melhor; dizer melhor; fazer melhor; sonhar melhor: do que toda a gente. E às vezes conseguimos; muitas vezes pensamos que conseguimos; outras tantas nem por sombras. E às vezes até achamos que o mundo gira à nossa volta e somos a sua força vital… E até no erro queremos ser diferenciados, porque únicos (que também somos). Queremos tudo e o seu contrário, ou o contrário e o seu tudo. Queremos ganhar, sempre. Queremos perder, nunca. Queremos, ou pelo menos somos fortemente compelidos a triunfar do fracasso do outro. Todas as dinâmicas sociais estão visceralmente ancoradas numa lógica marcadamente competitiva: todos querem ter mais do que os outros, ser (?) muito mais do que os outros. Desempenhos, façanhas superlativas deixam de o ser (no campo das percepções) se alguém alcançar um pouco mais: um estudante que tire dezoito, pode ficar decepcionado se um outro tirar um dezanove; um clube de futebol que no campeonato inteiro perca um único jogo, considera um fracasso a época se um outro os ganhar todos e ficar em primeiro; os países querem ter o PIB maior, crescimento económico maior, ser mais poderosos e desenvolvidos e fortes que os vizinhos. As guerras surgem sempre num afã de competitividade extrema. E os exemplos infindáveis e em todas as áreas (mais pessoais, ou mais colectivas).
Se parece ser verdade que o ser humano, desde os primórdios, avançou e evoluiu à custa da competição entre humanos, com a natureza, contra si próprio e os deuses… não será menos verdade que isso trouxe e traz desgraças recorrentes (literária e mitologicamente, o relato bíblico de Abel e Caim torna-se o primeiro acto de competição da humanidade, por ele o desfecho é trágico e impele o Homem ao constante e inconstante competir com, ao permanente desafio e atrofio da existência como tal… As criaturas multiplicam a palavra- ou a palavra multiplica as criaturas?- e competem entre si, e são destinadas, condenadas à presença das outras, à relação frequentemente desafiadora com as outras. O ser humano, no mundo, é a criatura que universaliza o conflito: na Criação, será o Homem um seu excesso?).
Se calhar- no estado civilizacional, e portanto cultural, em que nos encontramos (ou onde nos deveríamos encontrar)- o competir poderia ser olhado numa perspectiva de… coincidir: de fazer acontecer com o outro; não à custa do outro. De ultrapassar obstáculos sem deixar ninguém para trás. De ver e olhar, ouvir e escutar, entender e compreender que o outro posso ser eu, que eu posso ser outro. Será que algum dia iremos competir para coincidir? Esperança real, ou ingénua? Talvez. Mas o que importa (se é que importa) é fazermos caminho. Todos.

Nota: Aproveitemos o sossego de ainda não se saber (à data, dia 13) dos candidatos às autárquicas: que depois o frenesim competitivo será interessante e pouco dignificante (provavelmente). E como se preparam umas eleições destas características (com um sem fim de freguesias) em três meses?!.


Sem comentários: