(Publicado originariamente na edição do Jornal A Guarda do dia 31 de Julho)
A condição humana remete o Homem (recorrentemente) para o conflito… com os outros; com ele mesmo. E uma tristeza advém ao pensamento e apodera-se dele, e por ele se cometem as maiores atrocidades (as maiores virtudes, também). Esse pensamento que fica preso e represo em ruminações, remoendo a realidade; tantas vezes a irrealidade.
Um dispêndio de energia que nos esgota e não dá resposta às nossas conjecturas de conjecturas mais. Mas ainda assim, fatigados com esses pequenos e inúteis pensamentos, gostamos de não gostar de alguém. E se frequentemente esse não gostar se queda por meros pensares, outras vezes fazemos questão de o demonstrar através de palavras e acções e omissões.
O que é facto (senão porque seria?) obtemos um certo prazer de pensar, dizer ou fazer mal a alguém. Algo que está cá dentro, e como que um tormento não o conseguimos debelar completamente (conseguimos?), esse pulsar- latente- de ódio, até. No fundo, gostamos de fazer o mal, ou pelo menos um certo mal (seja lá o que isso for); censuramos o próximo, ciosos de o vigiar e inquisitorialmente questionamos os motivos dele e de todos os próximos (raramente os nossos).
Talvez busquemos motivos (fúteis e inúteis), razões de queixa e queixumes, todas as fontes de insatisfação, até sobre os amigos: para nos afastarmos deles, para nos justificarmos a nós próprios que (já) não os apreciamos e pouco queremos a sua companhia. Exemplos mais seriam incontáveis.
A repetição, o enfado, a rejeição tomam conta de nós a cada passo, e cercam-nos e cerceiam- nos ficando como que aprisionados nos pensamentos-acções que destilam indiferença (que se faz presença, notada) do outro.
Comunitariamente, o ódio lança sociedades contra sociedades, países contra países numa deriva autodestrutiva cujo fim se depreende e cuja finalidade se não entende. De facto, desfiando, e por tal deslindando, a teia da vida humana nas suas múltiplas e infindáveis meadas (entremeadas), damo-nos conta que- delas- fazem parte várias nuances de maldade: falta de empatia, falta de sentimento, compreensão, desprezo dos outros e ignorância de nós mesmos… em que os hábitos costumeiros se sobrepõem à excelência, e esta reiteradamente dá lugar à infâmia.
Entrincheirados numa espécie de frenesim-maldizente- de que as redes (in)sociais são eco último- passamos o tempo a congeminar, a vociferar contra o outro de forma destrutiva; nesse tempo que se torna destempo… Assim, fazemos o bem, mal; e fazemos o mal, bem! Exasperante contradição que nos arquitecta e imprime a marca indelével da condição humana.
Poderíamos mudar e transformar um pouco essa condição? Talvez! Mas talvez isso seja difícil, custoso e exija uma permanente e profunda reflexão individual que se torna quase insuportável: por estarmos, sem filtros, connosco próprios e darmos conta das nossas imensas e antagónicas fragilidades- defeitos constitutivos, portanto. Não muito diferentes dos outros. Preferindo a ilusão do faz-de-conta da nossa superioridade total, ao constatar real da nossa imperfeição substancial…
Gostamos de não gostar, e isso irrita-nos. E define-nos.
Nota: Nos próximos tempos de campanha autárquica na Guarda é provável que o seu objecto primeiro (e último?) seja a crítica maldizente. Infelizmente. Somos assim, e não sabemos se poderíamos ser de outra maneira!..
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