segunda-feira, 9 de maio de 2022

Racionalidade: que mundo-outro queremos, que mundo-outro teremos?- a guerra na Ucrânia

espécie de ensaio- 2º parte do publicado no dia 1 de Abril de 2022  (no seguimento de outra reflexão “Vida e(m) pandemia” publicada aqui nos dias 25 de Junho, 2 de Abril e 5 de Fevereiro de 2021). Faz-se também um parênteses à continuação do "Pessoas: Político(s) e política(s)- o fim dos partidos?” (publicado aqui no dia 30 de dezembro de 2021).

A racionalidade será um conjunto de ferramentas cognitivas que permite, através do pensamento analítico (crítico), verificar os factos e validá-los enquanto realidade(s) verdadeira(s) e objectiva(s), recorrendo à lógica, probabilidade, correlação, causalidade, argumentação… (entenda-se argumentação como um modo de pensar colectivamente, criticamente e construtivamente as ideias, as crenças… as pessoas e não numa forma de desacreditar, rebaixar e ridicularizar pretensos adversários).
A racionalidade enquanto capacidade (cognitiva) serve para entender e compreender o mundo nas suas múltiplas facetas e, de alguma forma, ajustá-lo às nossas necessidades enquanto espécie humana e daí retirar vantagem que nos permita (como tem permitido) existir. Isto (que é muito) é uma conquista de toda a humanidade; é um bem intrínseco a todos e por isso precisa de ser cultivado, cuidado para almejarmos o bem-comum.
De facto, a racionalidade não toma partido, não é interesseira; igual em todos e em todo o lado. Nesta perspectiva, ela pode ser (ou é tantas vezes) um incómodo que nos pode levar a conclusões e desfechos que não esperávamos ou não queríamos esperar (logo pensar), que nos podem levar a fins que não são do nosso interesse individual (ainda que possam ser benéficos para tantos outros).
A racionalidade ajuda-nos a decidir (bem ou pelo menos melhor) e a ajustar escolhas (arriscadas, por vezes), a questionar pontos de vista duvidosos (e certezas absolutas também), a percepcionar que a vida é feita de paradoxos (nós mesmos o somos) e a vislumbrar que o acaso e as vicissitudes do mundo… são do mundo!.. Enfim, ajuda-nos a ter um entendimento mais exacto e aproximado do Homem enquanto Homem.
Nestes tempos, assistimos a uma espécie de rolo compressor de histórias e estórias, notícias e acontecimentos inusitados que atravessam a comunicação social e nomeadamente as redes sociais. Assistimos e damo-nos conta de crenças em espíritos e fantasmas, magias e superstições que parecem estar a aumentar quando era expectável que as novas gerações (mais letradas) fossem menos crédulas (em tal). Muitos acreditam em tudo o que ouvem, vêem, lêem sem qualquer filtro crítico (as teorias da conspiração têm aqui terreno fértil); outros só ouvem, vêem, lêem o que vai de encontro às suas ideias, numa lógica de validar e dar razão à sua razão (a polarização política esquerda/direita tem aqui enorme espaço) e quase todos querem vencer discussões (por mais triviais que sejam), não reconhecendo os argumentos fracos que, tantas vezes, utilizam, mas reconhecendo-os imediatamente no outro (a hipocrisia ganha aqui asas).
Parece evidente que as pessoas, tantas e tantas vezes, raciocinam e tomam posições já com uma conclusão em mente, independente e estranhamente de que lhe isso traga alguma vantagem individual, desde que isso reforce os ideais do grupo a que pertence (formal ou informalmente), seja ele político, religioso, étnico, cultural… O caso político é revelador: uma proposta vinda da área teoricamente de direita é desaprovada pela esquerda e ao contrário o mesmo. Muito provavelmente, mesmo que sejam ideias inócuas ou ideias altamente benéficas ao bem-comum é possível que não passem no crivo mental (e prático) conforme os autores e proponentes sejam de direita ou de esquerda. Este modo de raciocínio, profundamente desfasado, faz com que perante os mesmos factos (imagens) nem todos percepcionem a mesma coisa (no futebol isto é sintomático, dependendo do clube de que se é adepto); no fundo: “o meu lado é melhor que o teu”. Esta identidade-perversa faz com que as pessoas se mantenham juntas, crentes numa superioridade e arrogância morais, desprezando “os outros” e o que deles vem.
A racionalidade, além de uma virtude cognitiva, é uma virtude moral (também porque é imparcial na dicotomia entre as nossas concepções, muitas vezes, duvidosas e a procura da realidade como tal); é por isso que (e particularizando) a guerra na Ucrânia é por demais repulsiva, porque parte do pressuposto de uma pretensa superioridade moral de um povo (raça) sobre outro. Achando que um território, uma cultura, uma língua (essência de uma nação?) se sobrepõem a outro território, a outra cultura, a outra língua… ancorando tal numa narrativa (“histórica”!) mitificada acerca da grandiosidade e excepcionalidade desse povo (no caso, a Rússia). Os seus líderes não estão muito interessados na história factual, do que realmente acontece(u); da realidade, portanto; forjando uma identidade-idealista construída e uma herança glorificada de que eles são fiéis depositários e guardiães. Aqui, o razoável das acções é balizado nestes e noutros motivos (erróneos) e subsequentemente limitados por pontos de vista do real inconsistentes, senão absurdos. Assim, alguma racionalidade que possa advir dos actos russos, está inquinada à partida numa construção intelectual errada e falseada que lhe confere uma lógica-ilógica gritante (mesmo sendo um regime autocrático e pouco democrático), até porque as consequências que eles próprios vão/estão a sofrer são tudo menos vantajosas, profícuas e valorativas.
A guerra é o expoente máximo da irracionalidade humana, cujos resultados são nada e a utilidade esperada menos que nada. Os países (governos) devem governar movidos pela lógica, pela evidência, pela ponderação entre custos/benefícios, causa e efeito, vantagem entre o bem-comum e individual… O que vemos no caso concreto? O contrário disto.
É interessante observar que a Democracia (com todos os seus coxeares) reduz as probabilidades de guerra (a par do comércio internacional); é assim necessário protegê-la, defendê-la e acarinhá-la. A “paz perpétua” da humanidade será difícil de alcançar (até porque continuamos a não atingir uma espécie de maturação-existencial que nos permita ser iguais entre iguais), mas importa, pelo menos, sonhá-la…
Deste modo (e generalizando), é imperioso perceber se as crenças, as teorias e concepções sobre tudo e sobre nada, as suspeitas, medos e considerandos sobre os outros, o mundo, a vida… são verdadeiros ou falsos, benéficos, prejudiciais ou inócuos…
O ser humano é mitológico, a sua mente é mitológica… pois provavelmente assim consegue uma explicação fácil (preguiçosa?!) do que não entende nem compreende (talvez seja demasiado simplista esta afirmação/conclusão…), achando que tudo tem uma finalidade óbvia: como os objectivos que se traçam ou os objectos que se criam para terem uma funcionalidade prática; que tudo o que acontece, acontece por um motivo! Mas será que assim é?!. Será que o acaso e o caos como tal não têm um papel de alguma importância (preponderância?) na nossa existência?!.
E isto remete-nos para uma questão intrincada, complexa e, por demais, delicada:
Qual o papel-futuro da religião, do Cristianismo, da Igreja? (razão ou/e fé?)

3 comentários:

Anónimo disse...

Interessante

Ana Isabel Fonte disse...

Porque não valorizar a História, (a Ciência do passado, que nos permite explicar o presente e, de alguma forma, prever o futuro) onde se inclui o tema do Cristianismo e de outras Religiões. Nunca como agora, se tem conhecimento que a vida das sociedades é cíclica ... mais ano, menos anos, o Homem repete, como mais ou menos agressividade, (eu penso, para mal dos "nossos pecados", que cada repetição apresenta requintes mais agressivos fruto da evolução dos equipamentos que entretanto foram inventados) comportamentos.
A raiva, enquanto sentimento de "quero fazer mais e melhor", é saudável à evolução do individuo /sociedade ... mas, ao passar a ódio torna-se perigosa, destrutiva ... guerra.

Um abraço
Zé Domingos

Luís Filipe Gonçalves Soares disse...

Concordo.
Abraço Zé.