(Publicado originariamente no jornal A Guarda na edição do dia 4 de Maio)
Falar de política é em si mesmo complexo; falar de política na Guarda é um exercício arriscado porque nos arriscamos a carecer de profundidade pela grande diversidade de temáticas, de pontos de análise e pontos de vista. Falemos ainda assim da política actual (ano e meio, desde as eleições autárquicas).
A maior votação do movimento independente surpreendeu muitos (talvez até muitos dos próprios), bem como estranhou (aos próprios e a muitos outros) os menos votos do partido no poder à data (não falamos de vitórias e derrotas, porque quem trabalha ou quer trabalhar para o serviço da causa pública pode-o fazer de diversas formas e maneiras sem o fatalismo massacrante da perda, nem a euforia vazia do triunfalismo; deixemos essa terminologia para o mundo à parte e de escape que é o futebol, no caso português).
O sucesso e o progresso da Pólis exige que os ditos “vencedores” e “vencidos” encontrem pontos de entendimento para uma estratégia futurante (e por isso mesmo, presente) de desenvolvimento harmonioso e sustentado das nossas comunidades (será isto fácil? Não. O ser humano é por demais competitivo- para o bem e demasiadas vezes para o mal…).
De facto, na guarda, vive-se uma certa política de entrincheiramento, na lógica do todos contra um, um contra todos- e ao fim e ao cabo, do todos contra todos. Esta ilogicidade (quase que, se não mesmo, irracionalidade) não gera os tais entendimentos que conduzam a acontecimentos, a acções estruturantes verdadeiramente transformativos da e para a comunidade e seu bem-estar.
De notar que os partidos políticos tradicionais parecem como que melindrados pelo surgimento de um movimento desta natureza (facto este a precisar de análise), denotando um certo menosprezo institucional (quase que intelectual), como que a sua própria existência fosse pecado primordial. Não admira assim que qualquer estratégia apresentada seja menorizada, quando não ridicularizada, de forma que quase tudo o que se faz é mau e deveria ser de outra maneira: antes o bom, agora o mau; e esta percepção vai penetrando nalguns sectores da comunidade…
O intuito das críticas deixa de ser (porque devia ser) alertar para melhorar, para o alertar para desqualificar; esperando com tal obter vantagem nas eleições seguintes; as eleições deixam de ser um meio para se estar ao serviço da causa pública para ser um fim (que não é).
E este é um problema estrutural dos partidos (toldados de ideologia) - connosco a sabedoria e a razão, nos outros a ignorância e a escuridão - como se as (boas) ideias precisassem de um selo, de um cunho férreo para existirem; como se precisassem do amparo organizativo para ganharem substância em si mesmas: a eterna dicotomia esquerda/direita que, se é verdade, nos conduziu à democracia como tal, teme-se agora nos leve a conflitos permanentes, já por demais evidentes, e resultem no cercear das nossas liberdades e garantias, direitos e deveres. Esta dialéctica fomenta a divisão inultrapassável promovendo o confronto baseado em sentimentos e não o racional dos consensos. A haver ideologia, só uma: o Bem-Comum.
Mas o que seria dos partidos sem ideologia? A resposta é simples: o seu fim! Estaríamos preparados para isso, como sociedade? Teríamos maturidade civilizacional para tal? O que se seguiria no plano da práxis política? Reformas profundas e profusas, uma verdadeira (r)evolução de mentalidades na forma como se encara o serviço público que, enquanto país, talvez nunca estejemos preparados (muito menos os partidos)…
Deste modo, os movimentos independentes (e com eles pessoas competentes, desinteressadas mas interessadas na Causa Pública) poderão ter a sua oportunidade de aportar algo mais ao espectro público - que nasçam, cresçam, cumpram a sua função e sejam substituídos, ou pelo menos se renovem em ideias e pessoas.
O caso do movimento Pela Guarda é paradigmático: surgido de impulso(s), rapidamente teve eco na comunidade e, contra todas as expectativas e num curto espaço de tempo, ganhou as eleições. Se a sua acção global (e implementação duradoura) ainda não pode ser analisada definitivamente pelo pouco tempo de vida, já a sua sobrevivência e independência pode-o ser e também é simples: nas próximas eleições concorre sozinho? Se sim, está garantida a independência - a sobrevivência dependente do tipo de resultado. Concorre coligado - a independência será afectada e quiçá o existir. Por absurdo, não concorre sequer – sinal de que a sua aparição e existência tinha sido… uma inconsequência…
Quanto à acção concreta do executivo municipal torna-se difícil proceder a uma avaliação geral, imparcial e distanciada, objectiva e real: só poderá ser feita no términus do mandato (mandatos únicos, mais longos de 6/7 anos e sem possibilidade de reeleição seria tempo para se delinear e desenvolver um projecto digno desse nome); em ano e meio não se pode (justa e verdadeiramente) aquilatar da qualidade e quantidade do trabalho efectuado e das suas implicações futuras.
Pese embora tal, há sinais e dinâmicas interessantes que por certo darão frutos. Mas também existem sinais de alguma apreensão: excesso de eventos, sem um fio condutor (pelo menos perceptível); prioridade de alguns investimentos; alguma indefinição (pelo menos aparente) na cultura; funcionários (alguns) desmotivados; mas talvez e sobretudo um excesso de presença: não se pode estar em tudo, em todo o lado e ao mesmo tempo. Um certo recato é producente e a gestão do(s) silêncio(s) fundamental. Numa época onde o ruído é constante, a comunidade só tem a ganhar se quem os governa souber ter um espaço de reserva, um espaço de paciência para enfrentar os inúmeros desafios coma serenidade e a efectividade necessárias. Doutro modo, parece que as eleições são sempre o fim de qualquer motivação…
Além disso, é por demais crítico que o executivo fale, mas dialogue; ouça, mas escute e valorize a oposição e decida no superior interesse da cidade.
À oposição pede-se que não enverede pela lógica-ilógica do dizer mal de tudo, na linha de: se fez é porque fez, se não fez é porque não fez; se assim, melhor doutra maneira; se doutra maneira, melhor assim; se isto, melhor aquilo; se aquilo, melhor isto… Esta forma de actuar e ver a política, numa óptica do quanto pior melhor, lesa a cultura democrática e produz dois efeitos ao intoxicar (ainda mais) a agenda mediática: por um lado, faz com que o cidadão comum se refugie nos extremos políticos ajudando a fortalecê-los e com isso a minar a democracia; por outro gera indiferença, o que, em última instância, vai produzir o mesmo.
O movimento independente não será per si salvação de nada, mas com certeza não será o abismo de tudo. Talvez (e quando muito) uma outra visão, que precisa de uma oposição pensante, que acrescente e não se deixe enredar nas teias ideológicas e no tribalismo dos partidos que a sustentam. É o Bem-Comum que nos deve nortear a todos. Só. Contribuamos cada um de nós de forma positiva para que este executivo faça mais, faça melhor. E quando for outro o executivo façamos o mesmo, marcando diferenças e pontos de vista e sem perdermos as nossas próprias concepções e preocupações, é claro. Opiniões diferentes e divergentes não têm de originar conflitos imanentes. Os executivos (e os governos) vêm e vão e os anseios e desafios das pessoas permanecem, e com elas espera-se que a democraticidade. Utopia? Talvez. Mas delas resultam saltos de modernidade.
Nesta perspectiva, saliente-se que o pensamento humano é, tantas vezes e por assim dizer, primitivo; entra em modo de sobrevivência competitiva ( o tal eu contra o outro; o nós contra o vós). É um pensamento funcionalizado em resultado das experiências passadas - pessoais e da humanidade como tal. E se nos permitiu sobreviver na evolução como espécie, torna-se por demais importante, no hoje, viver, existir verdadeiramente numa relação valorativa entre o Eu e o Outro.
Para isso, temos de desfuncionalizar o pensamento, a imaginação (se se puder, ou se quisermos dissociar estes dois conceitos); precisamos de uma certa exterioridade face à realidade (e aos problemas que ela encerra); temos de sair da “caverna”, pensar fora, sairmos do nosso mundo para lá voltarmos depois e transformá-lo substantiva e substancialmente, e para tal temos de fazer uma descomunicação por forma a percebermos como comunicamos e como nos relacionamos; para vermos o que é realmente o mundo e o que ele poderia e deveria ser, no intuito de encontrar soluções que conduzam ao bem-estar da sociedade como um todo.
A todos, e em especial aos que estão na vida pública, fazia bem este trabalho quase que eremítico de profunda exegese pessoal e colectiva… se bem que que é difícil, às vezes penoso, entrar na nossa morada interior… pode ser prisão, pode ser caos…
As opiniões e as análises valem o que valem. São baseadas naquilo que será realidade como tal, mas também naquilo que serão as percepções (muitas delas contraditórias, diga-se) que podem ser erradas e erróneas: é um risco que corre quem quer ler, interpretar a(s) realidade(s) múltipla(s) e conferir-lhe (algum) sentido… E uma pergunta legítima poderia surgir: que sentido?!.
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