segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Figuras da Terra- por Manuel Silva

 Zé Bragança- O admirável contador de estórias- parte II
O “meu” compadre tinha um problema de dicção e quando falava trocava o r intervocálico ou mesmo sendo dobrado pelo d, e quando o r é precedido ou seguido de uma consoante pura e simplesmente era omitido; com o s/ç a pronúncia assemelhava-se ao anglo-saxão th. Esta particularidade aliada a uma capacidade de descrição e de interação das diferentes personagens da mesma estória ou até de estórias diferentes davam-lhe uma graciosidade nas suas narrativas que, reconhecidamente, faziam dele um admirável contador de estórias.
Para mais fácil compreensão de algumas palavras e expressões que utilizava, aconselha-se a leitura da legenda em rodapé.
Alguns exemplos mais conhecidos:
Ex.1 - “O cavalho1 da badoca2 deita quato3 futos4 pude5 ano: bugalha(th)s6, bugalhinho(th)s7, bolota(th)s8 e maç(th)ã(th)s9 cuca(th)s10.
 Ex.2  Numa situação em que a burra teimava em não sair da loja, gritava ele:
- Buda1112 foda! 13 Buda pá foda!
 Ex.3 Noutra ocasião a pobre da burra caiu numa vala num terreno designado de barroca e então ele solicitava à esposa que gritasse por socorro:
- Guita14, Istminda15, guita! A budanca16 caiu na dibanceida17 da badoca18!
A esposa não o compreendeu e perguntou-lhe se era a tamanca. Ele retorquiu já irritado:
- Não cadalho19, foi a budanca que caiu na dibanceida da badoca! Guita! Guita!
 Ex.4 Num jantar de casamento em que os comensais não ficaram saciados alguém, ironicamente, fez uma rima (rima que se generalizou para todas as situações em que a refeição fosse demasiado frugal). Eis o diálogo entre dois convivas:
- Estou que nem poss(th)o20 - afirmava um. E o outro retorquia:
- Dêmo(th)s21 gaças22 e louvode(th)s23
As no(th)as24 badigas25 e(th)stão26 que nem un(th)s27 tambode(th)s.28
Se  mai(th)s29 não comemo(th)s30
Foi poque31 mai(th)s não no(th)s32 dedam33 noss(th)os34 amo(th)s35
O(th)xalá36 um dia ele(th)s37 fiquem como nó(th)s38 agoda 39 es(th)tamo(th)s 40
 Os pátios da casa dos “compadres” e da casa dos meus avós confundiam-se porque não havia nenhum muro a separá-los e, coisa rara na aldeia, no que concerne à habitação dos meus familiares não havia qualquer muro a separá-lo da rua principal que atravessa a povoação. Esta circunstância retirava a privacidade aos proprietários e, naturalmente, convidava o acesso direto a todos aqueles que quisessem juntar-se numa agradável cavaqueira, especialmente nas noites estivais.
                   
                     Manuel Silva Gonçalves                     Continua...
      
1-carvalho;  2-barroca; 3-quatro; 4-frutos; 5- por; 6-bugalhas; 7-bugalhinhos; 8-bolotas; 9-maçãs; 10-cucas; 11-burra; 12-para; 13-fora; 14-grita; 15-Estamarinda; 16- burranca; 17-ribanceira; 18-barroca; 19-caralho; 20-posso; 21-dêmos; 22- graças; 23-louvores; 24-nossas; 25-barrigas; 26-estão; 27-uns; 28-tambores; 29-mais; 30-comemos; 31-porque; 32-nos; 33-deram; 34-nossos; 35-amos; 36-oxalá; 37-eles ; 38-nós; 39-agora; 40-estamos

                                                                                                          

3 comentários:

Anónimo disse...

esse Senhor devia ser um espetáculo a falar!!

Anónimo disse...

E a continuação é para quando?

Luís Filipe Gonçalves Soares disse...

Para breve. O Manuel está quase a enviar a continuação.