José Carlos Lages- Natural do Sabugal é Professor universitário e Jornalista. É administrador do blogue "Capeia Arraiana". Tem desenvolvido a sua actividade na área dos conteúdos online: Gestor de portal online, criação de páginas para internet, acessor de comunicação e imagem, fotocompositor e paginador, entre outras coisas. É director do jornal mensuário "Sabugal", chefe de redacção da revista "Media XXI" e faz serviço voluntário na Força Aérea. Confrade-fundador e vice-chanceler da Confraria do Bucho Raiano, sócio fundador na Associação dos Amigos de Ruivós e sócio da Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa.
É um defensor e apaixonado das tradições, dos costumes e das gentes da zona Arraiana, valorizando-as e promovendo-as. Teremos todo o gosto, de um dia, o receber em Vila Mendo.
Capeia Arraiana – a importância da tradição como valorização,
promoção e desenvolvimento das comunidades raianas de Riba-Côa
O concelho do Sabugal, no distrito da Guarda, tem uma área
de 822,70 km2 (muito aproximada à ilha da da Madeira) e regista «apenas» 12 mil
habitantes residentes. No mês de Agosto as persianas das «maisons» dos
emigrantes abrem-se para ver passar a procissão do santo padroeiro da aldeia e
a população triplica com um palavreado onde se misturam - e muito - as
expressões francesas com o sotaque beirão raiano. O cartão de visita do Sabugal
apresenta valiosos patrimónios históricos, gastronómicos e culturais unidos por
tradições como a Capeia Arraiana que personifica a alma da identidade raiana
dos sabugalenses.
O rio Côa nasce na Serra das Mesas, freguesia raiana dos
Fóios e saltita cristalino e gelado transpondo seixos e barrocos através da
Serra da Malcata fazendo uma breve pernoita na barragem do Sabugal antes de
seguir viagem para Norte em direcção ao Douro e, por influência do homem, para
terras da Cova da Beira.
No seu curso natural de 135 quilómetros alimenta a criação de
trutas no viveiro de Quadrazais, dá um «estejas com Deus» ao castelo dionisino
das cinco quinas do Sabugal que lhe responde – Vai com Deus! - e segue
determinado em direcção a Vila Nova de Foz Côa. Para trás deixa belas praias
fluviais naturais nos Fóios, Quadrazais, Sabugal, Rapoula do Côa, Vale das
Éguas e Badamalos que têm vindo a cativar cada vez mais utentes nos quentes e
secos meses do Verão.
O Côa tem um irmão gémeo – o rio Águeda – que também nasce na
serra das Mesas do lado espanhol mas entendeu passear-se por terras de Castilla
em direcção a Ciudad Rodrigo. A elevação rochosa por onde passa a linha de
fronteira é protagonista estratégica única à escala da religião mundial. Em
determinado local, perfeitamente identificado, sentavam-se à mesa quatro bispos
– Lamego, Ciudad Rodrigo, Cória e Guarda – sem que nenhum saísse da sua diocese.
Uma particularidade que mereceu em tempos um estudo e projecto de capela pelo
autarca José Manuel Campos dos Fóios.
O território onde correm estes dois rios designa-se Riba-Côa
e integra os concelhos do Sabugal, Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel
e Vila Nova de Foz Côa com um riquíssimo património histórico edificado onde se
destacam os cinco castelos sabugalenses – das cinco quinas na vila sede de
concelho, em Alfaiates, em Vilar Maior, em Vila do Touro e a aldeia histórica
de Sortelha – os de Castelo Bom, Castelo Melhor, Castelo Mendo, Castelo
Rodrigo, Monforte, Pinhel, a fortaleza amuralhada de Almeida e muitos
pelourinhos que ficaram para nos lembrar a importância de algumas povoações
agora praticamente desumanizadas.
Os sabugalenses, povo contrabandista e emigrante - sempre
estiveram mais virados para Espanha do que para Lisboa. Como escreveu um dia o
filósofo e pensador quadrazenho Pinharanda Gomes: «Não temos pruridos
separatistas mas somos e sabemos que somos uma região, mesmo ignorada pela
pertinaz ignorância das administrações centrais de Portugal. Somos uma região.»
O rei D. Dinis foi fundamental para Portugal e, em especial,
para a região raiana de Riba-Côa. Após o Tratado de Alcanices, assinado a 12 de
Setembro de 1279, entre os soberanos de Portugal, D. Dinis e de Leão e Castela,
Fernando IV, o rio Côa deixou de fazer a fronteira entre os dois reinados e os
marcos avançaram para Leste para as delimitações onde ainda hoje se encontram.
Também por isso os sabugalenses das terras frias (entre o rio e a actual
fronteira) dizem que o seu primeiro rei português foi... D. Dinis.
O Côa une e divide o concelho sabugalense em dois territórios
com características climáticas muito diversas. Do lado de Sortelha as
temperaturas das «Terras Quentes» são mais amenas e permitem culturas como, por
exemplo, o azeite de muita qualidade. Do lado da Raia as principais culturas
são resistentes à neve e às geadas que chegam cedo e «abalam» tarde.
Mas, o principal elemento diferenciador é, de facto, a Capeia
Arraiana, que traduz de forma absorvente a identidade da alma do sabugalense
raiano.
Desde a primeira Capeia do ano, em Aldeia Velha, com o
pessoal a aquecer-se à volta das fogueiras que sobraram da passagem de ano tudo
é motivo para a fiesta. O Entrudo, o domingo gordo, a Páscoa, o Santo António,
o São João ou o São Pedro dão o mote para justificar o cartaz ou o alerta no
final da missa domingueira.
O mês de
Agosto carrega sempre o secreto apelo do regresso às origens para os que estão
longe. No concelho do Sabugal faz povoar as aldeias, abrir as persianas, lotar
os bancos das igrejas e encher os lugares públicos com um estranho mas familiar
linguajar mesclado aqui e ali de expressões e palavras de origem francesa. Mas,
para muitos dos sabugalenses é o tempo da mãe de todas as touradas – a Capeia
Arraiana – espectáculo único que andou escondido esotericamente nas praças das
nossas aldeias e que, agora, de há uns anos para cá parece ter perdido a
vergonha e tudo faz para se dar a conhecer ao mundo. A tradição manda que as
touradas com forcão, precedidas de encerro, se iniciem na Lageosa no dia 6 de
Agosto e terminem em Aldeia Velha no dia 25. E que se oiça bem alto o
grito: «Agarráááio»
Pelo meio dezenas de capeias, diurnas e nocturnas, encerros,
desencerros, animam as férias dos que voltam todos os anos de propósito de
Lisboa, de França, da Suíça ou do Luxemburgo. E, também por isso, se diz pela
Raia que «onde há cornos há gente».
É a fiesta da Raia, é a fiesta dos raianos, da alma raiana. O
climáx tem lugar na mãe de todas as Capeias no Festival «Ó Forcão Rapazes»
realizado anualmente e de forma alternada nas praças de Aldeia da Ponte e do
Soito. Nesse dia reúnem-se as equipas de Alfaiates, Aldeia do Bispo, Aldeia da
Ponte, Aldeia Velha, Fóios, Forcalhos, Lageosa da Raia, Ozendo e Soito lidando
com bravura pessoal e colectiva e à vez um touro sorteado ao som do apoio das
respectivas claques de apoio.
Um dos mais lidos escritores raianos, Joaquim Manuel Correia,
no seu livro «Memórias do Concelho do Sabugal» publicado no início do século
passado diz que a coragem dos rapazes das aldeias media-se pela sua
participação e valentia a agarrar ao Forcão. «Os rapazes não arranjavam
namorada se não se metessem nos touros e aí daquele que se recusasse, que era
homem desprezado pelas moças».
Mas... Forcão? O que é isso do forcão?
Sem forcão não há Capeia Arraiana. É esse arranjo de madeira
com galhas atadas em forma de triângulo que faz toda a diferença. É uma
estrutura triangular com três grossas galhas colocadas e atadas em forma de
forquilha. A galha do meio divido o forcão em duas partes iguais e prolonga-se
na traseira para permitir o leme ou rabiche, zona de comando onde agarram os
rabejadores ou rabicheiros. O Forcão pode pesar 20 arrobas e é manejado em
praça por cerca de 30 rapazes.
O historiador Adérito Tavares no seu livro «Capeia Arraiana»
diz-nos que o termo pode derivar do francês «fourchette» e que «as capeias
foram surgindo primeiro com uma ou duas vacas bravas que eram roubadas do lado
de lá da Raia e depois com vacas emprestadas para pagar o prejuízo aos
agricultores que viam as suas culturas dizimadas pelos animais espanhóis».
A Casa do Concelho do Sabugal, em
Lisboa, organiza anualmente a festa dos sabugalenses na Capital. A primeira
teve lugar no Campo Pequeno a 4 de Junho de 1978 e foi nesse tempo explicada
assim pelos organizadores: «O nome Capeia Arraiana que demos à tourada no
Campo Pequeno resultou de assim serem chamadas as touradas características das
aldeias fronteiriças do nosso concelho. O termo caracteriza uma tourada em
praça improvisada. Não foi concretamente o caso, mas o facto de termos trazido
o Forcão conjuntamente com a realização do chamado Passeio dos Rapazes foi o
bastante para que o termo se afigurasse ajustado.»
António Cabanas (texto) e Joaquim
Tomé Tutatux (fotografia) publicaram recentemente um livro que tem um título
sugestivo: «Forcão – Capeia Arraiana» Na página 201 pode ler-se: «Ó Forcão
Rapazes! Dia de Capeia! Que excitação, que alegria no rosto e nos olhos! É como
uma febre benigna que até os doentes revigora. A terra está cheia de gente,
parentes e amigos que chegam de todo o país, e da França, da Alemanha, da
Suíça, do Canadá e da América... Onde haja emigrante raiano, sempre se arranja
as vacanças para Agosto e ele aí vem! É o apelo da Capeia, maleita para a qual
não há vacina. Faz um gostinho à alma e mata saudades da família. Dois coelhos
duma só cajadada...» ou ainda «A Capeia Arraiana não é uma tauromaquia
qualquer. Como uma espécie de religião em que se acredita, não basta assistir,
é preciso participar, ir ao encerro, comer a bucha, beber uns goles da
borratcha e voltar com os touros, subir para as calampeiras, ser mordomo, ser
crítico tauromáquico, discutir a qualidade dos bitchos da lide ou,
simplesmente, ser fotógrafo da corrida que não deixa ninguém indiferente, corre
na massa do sangue, provoca um nervoso miudinho, levanta os pêlos do peito,
atarracha a garganta e perturba o sono. É um desassossego colectivo que
comove.»
Bastas vezes ouvi autarcas dos
municípios em redor comentar que as Capeias são uma «desculpa» para que os
emigrantes voltem ano após ano e que «só era pena nas suas terras não terem
um fenómeno com esta grandeza». Assim é de facto. A Raia sabugalense tem
uma tradição que mexe e remexe com a vida das populações locais. Que se
mantenha viva pela eternidade.
Confraria do Bucho Raiano
Outro dos factores que tem
contribuído para a importância das tradições como valorização, promoção e
desenvolvimento dos sabugalenses é a Confraria do Bucho Raiano que realiza
anualmente um almoço no Entrudo para recordar as antigas reuniões familiares
onde o bucho vinha à mesa acompanhado de batatas cozidas e grelos para festejar
o Domingo Gordo antes do período de abstinência da Quaresma. O recordar desta
tradição gastronómica tem aumento de ano para ano o número de participantes, bem como o número de confrarias gastronómicas de todo o País.
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