terça-feira, 24 de setembro de 2019

A Freguesia de Vila Fernando no séc. XVII- Óbitos- 2ª parte


Graça Maria Garcia Soares Calçada Sousa

A Freguesia de Vila Fernando no séc. XVII (1601 – 1700)
Parte 3 – Óbitos (2)

  •  Cerimónias fúnebres
Segundo os Vigários, “o costume da Igreja” de Vila Fernando, para alguém que morria, era constituído por “três ofícios de três lições”, com ofertas aos domingos durante um mês. A isto se juntava a “missa de presente”.
Certas pessoas pagavam para terem um maior número de cerimónias fúnebres ou para que estas se prolongassem no tempo, durante alguns anos ou perpetuamente. Mas havia outras pessoas tão pobres que não tinham com que pagar fosse o que fosse. Nestes casos, os Vigários faziam-lhes apenas uma pequena cerimónia. Por isso, encontramos apontamentos como estes com alguma frequência: “deixou [que] lhe dissessẽ sete missas, era mto pobre”; “deixou [que] lhe gastassẽ por sua alma três cruzados, era pobre”; “não fez testamento por ser pobre”; “não havia de que fazer testamento”.

- Missas
Os defuntos deixavam dinheiro ou bens para pagar as missas pretendidas, pelas suas almas, pelas almas de familiares ou por outras intenções. Essas missas podiam ser ditas na igreja de Vila Fernando, nas ermidas da freguesia, em locais de culto nos arredores ou nas igrejas da Guarda. Esses lugares, por vezes só são referidos pelo nome do santo padroeiro:
- Igreja de Vila Fernando – Ermida de Sta. Maria Madalena de Pousafoles – Ermida do Espírito Santo de Albardo – Ermida de S. Bartolomeu do Adão – Ermida de Nª Sra da Alagoa / da Lagoa – Ermida de Nª Sra da Consolação da raia de Castela – Igreja de Nª Sra dos Anjos – Nª Sra do Monte – Nª Sra da Lapa – Nª Sra das Necessidades – Nª Sra da Teixeira – Sto. António da Guarda – S. Francisco da Guarda – S. Pedro da Guarda – Sé da Guarda – S. Brás – Santa Ana – Sta. Catarina – Sto. Ildefonso – Sto. Antão

- Esmolas
As esmolas eram deixadas à Igreja, aos Santos, às Confrarias ou a particulares, sobretudo sob a forma de medidas de trigo e centeio (alqueires, meios, fanegas), de propriedades, de pequenos objetos ou de dinheiro (tostões, meios tostões, vinténs, reis, cruzados). Eis alguns dos destinatários dessas esmolas: Almas; Espírito Santo (Albardo); Nome de Jesus (VF); Nossa Senhora da Conceição (VF); Nossa Senhora do Rosário (VF); Santa Luzia; Santíssimo Sacramento (VF); Senhor (VF); S. Bartolomeu (Adão); S. Pedro (Guarda); S. Sebastião (Albardo); S. Sebastião (VF).

- Local do enterramento
Segundo as anotações dos Vigários, os defuntos podiam ser sepultados dentro da igreja ou no adro de Vila Fernando. A partir de 1678, os defuntos do Adão passaram a ser enterrados na ermida de S. Bartolomeu do Adão. (Mais tarde, nos primeiros anos do séc. XVIII, os defuntos de Pousafoles “ó/do” Roto passaram a ficar na ermida de Sta Maria Madalena.)



Dentro da
Igreja
Adro
Fora de
VF
Sem
informação
1601-1625
158
18
5
52
1626-1650
312
11
1
96
1651-1675
457
7
1
19
1676-1700
453
2
   80 (1)
17
Total
1380
38
87
184

                                                                 (1) Inclui os defuntos sepultados na ermida de S. Bartolomeu, no Adão, a partir de 1678.

Há algumas referências aos espaços onde, dentro da igreja, as pessoas eram enterradas: defronte do altar de Nossa Senhora; ao pé de Nossa Senhora do Rosário; junto ao caixão do Santíssimo Sacramento; debaixo do caixão do Senhor; junto ao altar de Santa Luzia; junto ao altar de Jesus; à porta do batistério; junto da porta principal; junto à pia de água benta da porta principal; defronte / por cima / por baixo da porta travessa; junto ao arco do cruzeiro debaixo da sepultura de pedra (pai do Vig. F. C.); dentro da capela-mor (Vig. Francisco Carvalho).

  • Causas de morte
O que matou todas essas pessoas? Não sabemos. Poderiam ser situações de acidentes, doenças, epidemias, violência, guerra, fome, pobreza extrema… Por vezes, damos conta de famílias inteiras desaparecerem no espaço de algumas semanas ou, até, de alguns dias.
Infelizmente, os Vigários e os outros padres só referiam as causas da morte quando se tratava de situações invulgares. Temos aqui diversos exemplos:

1629 – Francisco Fernandes, do Monte Sardinha, “que mataram no lugar do Cume, foi sepultado nesta Igreja (Vila Fernando) dia dos Reis seis dias Janeiro”.

1636 – O Manuel, filho de António João, tinha 11 anos e era da Quinta do Meio. Afogou-se no “ribeiro dos picotos” (ou das picotas?).

1647 – O António era um moço solteiro e pobre, cujo pai morava no Monte Margarida – “achou se morto e o juiz de fora veio fazer seu exame”. Foi sepultado no adro.

1652 – A 13 de dezembro, “mataram a Franco Frz’ (=Fernandes) Cabeça natural e morador no Adão desta freguesia, e sepultou se nesta Igja aos quinze do ditto mes, porq a justiça fez vistoria das feridas que lhe deram”.

1654 – Jorge Martins, da Quinta de Cima faleceu “de hum acidente repentino”. (A palavra acidente aparece habitualmente com o significado de ataque ou doença súbita)

1662 – O falecimento de Isabel Miguel, de Albardo, “foi cauzado de hum raio q lhe caiu em caza”.

1678– Pedro Gonçalves, da Vila de Vilar Maior, “o qual vindo por este lugar de passagem, estando em caza do Veiga lhe deu hum acidente e morreu supitamte e qd me chamaram fui logo e não pude fazer mais q absolvelo sub conditione ”.

1678 – Na Quinta de Cima, a 3 de agosto, “ falleceo da vida prezente Domingas Frz’ soltrª de morte apressada, estando assentada na sua escada lhe deu um acidente e a foram achar morta e aos 4 do mesmo mes a sepultaram dentro desta Igja …”

1681 – Na Quinta do Meio, faleceu Ana João “sem sacramto porqindo hua sua fª (=filha) para caza a achou na outra vida”.

1682 – Faleceu João Martins, do Adão, “ao qual deram hua estocada na Qta de S. Dos (=Domingos) na feyra dascensão da qual falleceo repentinamte sem Sacramto”. Na margem, o Vig. acrescentou “Não fes nada porq tudo eram dividas”. Isto significa, provavelmente, que tinha tantas dívidas, em vida, que não deixou nada com que pagar as cerimónias fúnebres.

1690 – Neste ano, “foi achado morto no ____(?) da fonte dademouro junto deste lugar (V. Fern.) Antº Glz’ (=Gonçalves) da Qta da Ramalhosa fregª do Richozo”. Foi sepultado dentro da igreja.

1694 – Domingos, filho de Afonso Martins do Adão, “ao qual mordeo hua osga e vindo se curar a este lugar (V. .Fern.) falleceo nelle”. Foi sepultado na igreja de Vila Fernando.

1697 – Neste ano, “se achou afogada a Cnª Frz’____(?) de Bertholameu Miguel da Qta do mº (=Meio) no _____ (?) das aveleiras, a qual andava varia (=perturbada)”.

O ano de 1696 parece ter sido um ano particularmente difícil, apresentando o valor mais alto de óbitos de todo o século – 45. Desses 45 defuntos, 32 eram mulheres: 8 viúvas, 13 casadas e 11 solteiras ainda jovens. Havia laços familiares entre várias pessoas. Por exemplo, no Mte Carreto, morreram uma mãe (30 jun), a filha (22 jul) e o pai (31 jul); no Adão, morreram uma mãe já viúva (18 ag) e a filha (28 ag); em Vila Fernando, morreram um pai (24 jul) e a filha (31 jul).

                                                                                       Continua...

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