sexta-feira, 1 de maio de 2020

Entrevista com Hélder Pires

António Hélder Lucas Pires, natural de Ílhavo, casado em Pousade, onde actualmente passa grande parte do tempo. 63 anos, dois filhos e três netos. Tem o ensino complementar e profissionalmente sempre trabalhou numa financeira, onde foi coordenador das áreas de análise, controlo e concessão de crédito e por último no desenvolvimento de scoring. Actualmente está reformado.

1. Na actual situação, há receitas económicas (fiscais, financeiras…) para atenuar a crise que se adivinha?
A situação que vivemos foi causada por uma doença da qual ainda pouco se conhece e cujas consequências são, nesta altura, incertas o que origina que a retoma económica seja também uma incógnita. Certo é que estamos a viver uma forte contração em Portugal que, de uma forma ou de outra, irá acontecer em quase todo o mundo.

2. Será um imperativo moral os bancos e empresas financeiras concederem créditos (facilitados), mas do ponto de vista comercial dessas entidades é um risco, ou não? Implicações futuras?
Os bancos pautam a sua atuação mais por imperativos legais e de negócio do que morais. E parece-me certo, já que a concessão de crédito fácil é mais um problema do que uma solução, basta recordar o que aconteceu entre 2009 e 2018 e o que daí resultou.
Antigamente os bancos rentabilizavam os depósitos beneficiando mais os clientes e o país, investindo em grandes empresas industriais que criavam ou acrescentavam valor. Mas, aí, o retorno não era imediato. Hoje, vive-se uma cultura bancária mais virada para o lucro rápido, olhando principalmente para a margem financeira onde os encargos constituem uma boa fatia. Agora os empréstimos são mais para o consumo, para o comércio e serviços, bem como a compra de casas e de automóveis.
Quase se poderia dizer que, antes, os bancos ajudavam a exportar, hoje ajudam a importar importando também eles dinheiro, muito dinheiro.

3. Vive em Pousade; como vê o futuro das nossas comunidades rurais?
Na qualidade de cidadão que vive numa aldeia, Pousade, que atualmente tem cerca de 80 habitantes e que há 100 anos tinha 542, ou seja, perdeu mais de 80% da população, não posso ficar indiferente ao terrível abandono a que as aldeias foram deixadas, pelo que me vou alongar neste tema.
As abordagens que nos chegam sobre o despovoamento do interior, são feitas essencialmente, como não poderia deixar de ser, por líderes políticos. São eles que clamam contra a dita desertificação (como se nada tivessem a ver ela). 
Quando falo em líderes políticos, refiro-me aqueles que têm acesso aos meios de comunicação, ou seja, líderes partidários e presidentes das maiores câmaras municipais, pois a opinião dos presidentes das juntas de freguesia ou dos municípios mais pequenas não têm expressão.
Com efeito, ao contrário do que é habitual ouvir-se, o problema não é o despovoamento do interior e a sua consequente desertificação, mas o despovoamento das aldeias, das vilas e das pequenas cidades do interior, pois são essas que estão efetivamente a perder pessoas.
Os tais fazedores de opinião apontam invariavelmente o poder central como causa do problema mas, das suas politicas governativas, resultam ações que, na generalidade, são tão ao mais centralistas do que as do poder central.
O que constato é que existe uma completa disparidade de procedimentos entre o que se faz pelas aldeias e o que se faz nas principais cidades. Nas primeiras, como bem sabe, se os poucos habitantes querem fazer uma festa anual, têm que a pagar, sabe Deus de que forma. Nas cidades, que, da mesma forma são constituídas por freguesias, existem espetáculos e até festivais pagos em grande parte, ou mesmo pela totalidade, pelas câmaras municipais. Basta consultar o portal http://www.base.gov.pt para se verem milhões (sim, são milhões) de Euros de faturas pagas anualmente pelos municípios a artistas que atuam nas cidades.
As escolas fecham porque não têm alunos, os tribunais, hospitais, creches, bancos, postos de polícia, ou GNR, finanças e outros serviços públicos e empresas, saíram das terras pequenas para as grandes, por falta de gente. Pergunto se não poderiam estes serviços distribuídos também pelas aldeias?
Paradoxalmente, dizer que o interior está a ficar despovoado, é uma falácia. Na verdade, não é o interior que está a despovoar-se, são as aldeias! Vejamos alguns exemplos, comparando a população de quatro cidades do interior nos últimos 100 anos:
- a Guarda tem basicamente as mesmas pessoas que tinha há 100 anos,
- a Covilhã, tem mais 7%,
- Castelo Branco tem mais 32%
- a cidade de Viseu, capital do interior que é a Beira Alta, em 100 anos viu o número de habitantes aumentar 76%.
1911      2011      Variaç
Guarda                   44 010   42 541   -3,30%
Castelo Branco       42 547   56 109   31,90%
Viseu                       56 186   99 274   76,70%
Covilhã                    48 400   51 797   7,00%
Já os concelhos mais pequenos diminuíram, em média, mais de 50% e, nas aldeias, a diminuição de habitantes anda entre os 65 e os 85%.
1911      2011      Variaç.
Sabugal                   35 409   12 544   -64,6%
Idanha a Velha        27 298     9 716   -64,4%
Moimenta Beira      14 565    10 212   -29,9%
Penamacor              14 999     5 682   -62,1%

Ou seja, os locais onde se criaram condições para as pessoas viverem e trabalhar não têm perdido pessoas. Já nas aldeias, pese toda a demagogia que agora se ouve, nada é feito objetivamente para trazer pessoas, havendo mesmo políticas que parece funcionarem ao contrário, se não vejamos:
As aldeias estão cheias de casas em ruínas, mas continua-se a deixar construir habitações em locais ermos. Por questões de segurança e de preservação das aldeias e mesmo da sua identidade, só deveria ser possível construir fora das populações quando estas não tivessem capacidade para mais.
Há casas em tal estado de degradação que põem em perigo quem por ali passa, mas estão assim há anos sem que ninguém se preocupe, mas, se se manifesta vontade de reconstruir uma dessas casas e se começam a colocar andaimes, é certo que rapidamente aparecem fiscais e, ao invés do que deveria ser, não vêm para facilitar e muito menos para ajudar.
As casas construídas ou recuperadas nas aldeias do interior de Portugal, deveriam ter redução do IMI, para fomentar as recuperações. Já as casas degradadas, enquanto tal, deveriam ter um IMI alto. Isso, por um lado seria uma fonte de receita para as autarquias e, por outro, levaria muitos proprietários a reconstruir, até pela diminuição significativa do imposto, ou a vender.
Atrás das pessoas viriam os serviços e as empresas, mas: 
as aldeias do interior deixaram de ter comércio e como as pessoas necessitam de fazer compras fazem-nos nas cidades próximas. Quem frequenta as cidades percebe a importância que os habitantes das aldeias próximas têm no comércio destas cidades o que poderá também trazer alguma hipocrisia para o processo.
Assim, sem comércio, serviços, agricultura, sem pessoas, com fogos e, principalmente sem políticas, as aldeias dos nossos avós deixarão de existir muito rapidamente.

4. Que urgências para a Guarda e seu território?
A Guarda é, quanto a mim, uma cidade onde se vive bem, onde existe uma boa oferta cultural, com bons serviços e acessos. Obviamente que fazem falta algumas coisas, mas não me atrevo a dizer que são prementes. Já no que toca ás suas aldeias elas padecem do que referi há pouco.

5. É administrador de um blogue (que vale a pena ler); o porquê do nome (curioso) e o que se propõe?
O nome “As couves do vizinho” surgiu-me precisamente das couves de um vizinho e está relacionado com a partilha que existe nas aldeias. Assim, da mesma forma, poderia ser os ovos, morangos, batatas ou salsa do vizinho. A partilha é uma coisa notável que existe nas nossas aldeias e que faz com que se possa dizer que, nelas, ninguém passa fome. No mundo em que vivemos, isto é admirável, repare que até nas aldeias mais pobres isso acontece.
O Blogue incide muito nas nossas aldeias, suas pessoas, seu passado, cultura e tradições.

6. Porque escolheu residir em Pousade?
Por três razões. A primeira, porque a minha mulher é de Pousade. A segunda, porque gosto da terra e das pessoas e a terceira, porque fica relativamente perto do Sabugal, concelho onde tenho as raízes, tanto maternas como paternas.

7. Quem o marcou na sua mocidade?
A minha mocidade foi marcada pelos amigos. Quando fui para o liceu, em Aveiro, não era bom aluno e o meu pai soube que havia um bom colégio em Coimbra e mandou-me para lá. Era efetivamente bom, tão bom que até ao nono ano não se chumbava… depois comia-se bem e a liberdade era muita. Só que eu tinha apenas 10 anos e nessa idade a família faz muita falta e acho que foram os amigos que me ajudaram a suprir essa falta.

8. Que lhe diz Vila Mendo?
Conheci Castelo Mendo antes de Vila Mendo, acontece que, sempre que falo em Castelo Mendo, sai-me Vila Mendo e não sei explicar porquê.
Não conheço suficientemente Vila Mendo para fazer grandes considerandos e aquilo que conheço é muito pelo vosso blogue, mas aquela do Presidente Marcelo ir à Festa do Chichorro, foi divinal. Divinal! De tal forma que eu, não só acreditei, como andei a divulgar...

1 comentário:

Anónimo disse...

conclusão. a guarda é a unica cidade a entrar nos cuidados intensivos. porque será?