sexta-feira, 8 de maio de 2020

Entrevista a Nuno Graça

Nuno Graça- Nasceu há 45 anos em Lisboa e vive há 15 na Guarda. Licenciado em Gestão e 24 anos de experiência na Banca. Leitor crónico de História.

Como bancário, que papel têm os bancos na ajuda às empresas e às pessoas reais, no meio desta crise? 
Desde o inicio da crise que a Banca procurou apresentar aos seus clientes soluções que permitissem mitigar as dificuldades que se afiguravam: lay-off, eventuais atrasos nos salários. 
Assim aos particulares abriu-se a possibilidade de aderir a moratórias para a maioria dos créditos, que permitiram a suspensão do pagamento da totalidade ou de parte das prestações por um período de 6 a 12 meses (conforme o caso) e respectivo prolongamento dos créditos por igual período. Isto dá ás famílias a possibilidade de 1º fazer face à nova realidade de confinamento com as despesas normais de um agregado familiar e em 2º lugar não se sentirem sobrecarregadas com responsabilidades financeiras…deu-se prioridade ás necessidades das pessoas num contexto em que muitos viram os seus rendimentos reduzidos. 
Às empresas procurou-se assegurar que numa conjuntura em que a actividade reduziu ou cessou, não estarem asfixiadas por responsabilidades assumidas para este período, seja responsabilidades perante fornecedores e banca, como também e talvez sobretudo, garantir que terminada esta fase estariam em condições de voltar a laborar de forma normal seja de imediato seja gradualmente, preferencialmente com todos os seus recursos humanos. 
A disponibilização pelo estado de garantias através das Sociedades de Garantia Mutua, para linhas de crédito ás empresas era algo indispensável para apoiar as empresas enquanto empregadoras e enquanto geradoras de riqueza na Economia Nacional. 
Os Bancos, todos, desde a 1ª hora entenderam o seu papel… TODOS (Cidadãos, Empresas, Estado, Banca) são interdependentes, todos têm de se ajustar e ajudar num presente de insegurança e num futuro de incerteza. 

Os bancos tradicionais terão futuro (que futuro?), depois destes tempos conturbados? 
A Banca sempre foi uma área em que as novas tecnologias tiveram grande aceitação e rápida implementação. 
Estes quase 2 meses de confinamento trouxeram um enorme aumento na utilização dos canais complementares de acesso e comunicação com os Bancos: internet, telefone, Apps…tudo isto existia, todos estes canais eram crescentemente utilizados. Se anteriormente os utilizadores eram de certos segmentos e grupos etários, hoje o espectro de utilizadores é extremamente variado e muito abrangente. 
Houve soluções digitais que viram a sua implementação acelerada, houve produtos e serviços mais direcionados para estes canais que foram disponibilizados, procurou-se rapidamente assegurar que tudo ou quase tudo poderia ser tratado via esses canais reduzindo ao mínimo excepcional uma deslocação física do cliente ao Banco. 
É cada vez menor o numero de clientes que se dirige a um Balcão de um Banco, mas continua a haver e haverá sempre a necessidade de atendimento pessoal, do contacto humano…a Banca é um negócio essencialmente de confiança. 
O Banco tradicional de ontem é o mesmo de hoje, procura transmitir confiança, tenta satisfazer as necessidades dos seus clientes, e se alicerçado num passado e numa história de rigor, melhor. A forma como comunica, como chega ao cliente e como permite que o cliente chegue até ele é que tem evoluído e tem sido reinventada. As novas tecnologias permitem uma utilização imediata, segura e confortável dos serviços e produtos bancários. Em qualquer hora, em qualquer lugar o cliente vai ao Banco. 

Que medidas (económicas e financeiras) urgentes, práticas e pragmáticas deviam ser implementadas para atenuarmos os tempos adversos que… já são? 
Essas medidas foram entendidas no logo no 1º momento: apoiar as famílias que veriam os seus rendimentos decrescer e assegurar que o tecido empresarial não chegaria a um ponto de não retorno. 
As famílias puderam recolher-se com o seu agregado não havendo falta dos bens e serviços indispensáveis, e sem se sentirem asfixiadas com as responsabilidades de crédito que poderiam ter, daí as moratórias. 
As empresas asseguraram a liquidez que é indispensável para manter a capacidade de voltarem a estar no mercado…empresas a laborar são postos de trabalho que se mantêm e é riqueza que se gera. 
Valerá a pena pensar na capacidade que o tecido empresarial nacional tinha/tem para acudir a estes tempos… perceber da existência de capacidade nacional de conceção e produção de bens que se tornaram de primeiríssima necessidade: máscaras, álcool, gel, batas, ventiladores e outro equipamento médico, medicamentos, alimentos…. 

Apaixonado pela História, como achas que ela nos pode auxiliar a ultrapassar esta crise inesperada (ou nem tanto)? 
As crises vêm sobretudo sob a forma de guerras e catástrofes naturais, estas crises são infelizmente mais recorrentes e temos mais facilmente memória delas. Lembramos do tsunami de 2004, do terramoto e tsunami de 2011 no Japão que também originou o acidente nuclear de Fukushima, o acidente nuclear de Chernobyl em 1986, as cheias na europa que em 2011 e 2013 tiraram inúmeras vidas, a tragédia do furacão Katrina em 2005, os incêndios de Pedrogão de 2017. Estes acontecimentos são recentes, mais ou menos presentes na memória de milhões, tendo muitas entidades tirado as elações devidas, assim o esperamos 
Não se controla a Natureza nem se evita vitimas, mas a capacidade de resposta que o Japão demonstrou reduziu as consequências de algumas das situações acima descritas. Estava preparado porque conhecia a realidade em que estava inserido, havia planeamento, havia estruturas e havia recursos humanos, materiais e financeiros. 
Um cenário de Pandemia só temos memória de filmes…de uma pandemia global tivemos em 1918 a Gripe Espanhola, depois muitos casos pontuais e localizados de várias formas de Gripe sobretudo na Ásia…não esquecendo as epidemias de febres hemorrágicas virais como o Ébola cujo alastramento seria sim de dimensões catastróficas. Nestes casos os Estados e Organizações Internacionais têm tido capacidade de resposta, restringindo a sua expansão e lidando com as vitimas. 
A História mostra que os Estados com pensamento estratégico, estruturas adequadas e funcionais e recursos lidam melhor com cenários (mais ou menos prováveis) que se tornam realidades. 
Pensar a médio-longo prazo, além das datas dos calendários políticos, pensar na posição geográfica, politica-internacional e económica em que um País se encontra e de que forma essas variáveis criam cenários, geram consequências e exigem uma resposta. 
Ter estruturas que possam avaliar, pensar e responder, com as pessoas e meios suficientes e adequados. 
Mas sem dinheiro nada se faz…e a forma como o Estado distribui o seu Orçamento é sobretudo uma decisão política. 
Portugal está inserido na União Europeia e que a meu ver demorou a dar uma resposta. Cada país agiu por si numa fase inicial, tratou de assegurar os recursos indispensáveis para fazer face ás necessidades nacionais, enquanto isso a UE demorava a coordenar esforços. O mesmo filme que vimos na crise financeira de 2008. O processo de tomada de decisão é moroso, burocrático e muito politizado. É suposto ser cada um por si? Queremos dar razão àqueles que se opõem à UE? Podemos contar de facto com o apoio dos outros países membros? 
É tentador concluir que o sucesso na forma como certos países lidaram com esta pandemia se deveu ao facto de serem estados autocráticos…a maior crise que se viveu no século XX, a 2ª Guerra Mundial, foi resolvida por democracias. 
Exige-se do Estado (Estado Democrático) que seja sábio e justo no uso dos seus poderes e recursos, pois será sempre escrutinado pelos seus cidadãos. 

Nascido, criado, estudado em Lisboa, há muitos anos na Guarda; profissionalmente satisfeito com a mudança? Voltarias a Lisboa? 
A mudança profissional resultou de uma necessidade pessoal e familiar. O desafio profissional é o mesmo, pese embora realidades e mercados diferentes. 
Um regresso a Lisboa teria de se alicerçado num projeto profissional aliciante e ponderado o impacto no ambiente familiar, mas 1º a família. 

A Guarda já é a tua cidade, como vês o seu futuro e o do seu território? 
A Guarda é a minha casa. 
É nela que escolhi viver, criar e educar os meus filhos. 
Guarda e este território terá o futuro que for possível construir assim que se perceba qual o papel que pode ter quer no contexto Nacional e no contexto Ibérico/transfronteiriço. Ou será que tal pensamento estratégico já não é possível, ou é ultrapassado ou simplesmente desnecessário? Eu acho que o devíamos ter, e não só para a Guarda. 
E a definição desse tal papel, como aparentemente os vários governos não o conseguiram fazer, deve ser deixado aos Municípios em “cumplicidade” com os empresários e empreendedores. 
A consolidação do tecido empresarial local é a meu ver a base essencial para a partir daí se desenvolver outras oportunidades. 
Temos acessibilidades, temos gente em qualidade, mas uma demografia que nos desfavorece, temos de nos diferenciar e especializar. Conhecemos bons exemplos de quem na Agricultura, Industria, Serviços conseguiu bons resultados. 
Temos de cuidar e valorizar o que temos e promover quem quer realizar. Ganhamos todos. 
Sejamos também enquanto residentes e cidadãos elementos activos na valorização e determinação do nosso futuro. 

Uma pessoa que tenha sido referência, na tua juventude? 
A família sempre, mas em especial um grupo pequeníssimo de amigos que crescemos juntos desde o inicio da adolescência e cuja amizade se mantém passados mais de 30 anos… 

Uma memória de infância? 
De Lisboa, das idas à praia na Costa da Caparica. Viagens naqueles anos 80 que demoravam e tínhamos de mudar de transporte pelo menos uma vez…de Cacilheiro pelo rio ou de autocarro pela ponte a paisagem das margens e o largo rio…para onde olharia uma criança?

Que te diz Vila Mendo? 
Vila Mendo foi uma das mais belas surpresas que tive quando cheguei à Guarda. 
Um local super-hospitaleiro. É um íman, um exemplo de dinamismo, teimosia sadia e persistência. 
E a culpa é de um grupo de verdadeiros filhos-da-terra que construíram memórias e que continuam a querer construir memórias para si e para a geração seguinte…e para quem visita Vila Mendo. 
Também eu tenho boas memórias e acolho sempre com alegria todas as oportunidades de vos visitar. 






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