Pároco da nossa freguesia de 1969 a 1988, há muito que o pretendia entrevistar. Em Novembro, finalmente aconteceu. Achei por bem esperar e publicá-la agora, dia de Natal...
Quem é Manuel Igreja Dinis?
É um simples cidadão que procura, com simplicidade, ser útil na procura de Deus servindo as pessoas. Procurei fazê-lo ao longo da vida, mas agora, com mais dificuldade porque os anos já pesam e a saúde física e intelectual vai diminuindo.
A vocação sacerdotal foi espontânea ou algo trabalhada e amadurecida?
A princípio, houve a ideia de poder estudar, sem negar a hipótese de ser padre, até motivado pela vivência cristã, na minha Aldeia-Natal. A vocação foi criando raízes e sinto-me feliz pelo passo dado e agradeço a Deus o Seu chamamento.
Qual foi o percurso académico e pastoral?
Frequentei a Escola Primária da minha Aldeia - Rochoso.
Feita a quarta classe, entrei para o Seminário do Fundão, onde estive 5 anos. Avancei para o Seminário Maior da Guarda, três anos em Filosofia e quatro anos em Teologia. No total, são 17 anos.
No campo pastoral, em outubro de 1965, paroquiei: Azinhal, Valverde e Peva, concelho de Almeida, durante 4 anos. Em seguida, vim para Vila Fernando, Adão e Vila Garcia, durante 20 anos.
O Senhor Bispo D. António dos Santos requisitou-me para o Seminário do Fundão como prefeito e professor e, mais tarde, Diretor Espiritual dos alunos e professor de Português e Educação Religiosa.
Em 1994 tomei conta pastoral da Paróquia de Alpedrinha a que se seguiram Orca e Zebras.
Foi professor e Diretor Espiritual no Seminário do Fundão. Como encarou essa etapa?
Quanto à função de professor empenhei-me para que os alunos gostassem da Língua Pátria. Penso tê-lo conseguido, mas quem pode responder a essa questão são os alunos e alguns eram de alta capacidade intelectual.
Quanto à função de Diretor espiritual, procurava falar com os alunos animando-os e ajudando-os a crescer culturalmente e espiritualmente nos valores humanos e cristãos.
O futuro da Igreja e da Religião preocupa-o?
Claro que me preocupa e dói-me o coração quando vejo as pessoas a pensar só no material e no uso e abuso dos prazeres da vida mundana, esquecendo Deus e os valores humanos e morais.
Quanto à Religião, pesa-me o mau exemplo que damos a começar pelos mais responsáveis e o abandono da prática religiosa. Tão necessário é o pão da Palavra e da Eucaristia, par ajudar a vencer as dificuldades da vida. A fé vivida é um bordão que nos dá certezas e forças no caminhar de cada dia. Há-de haver crises, como a que estamos a atravessar, mas Igreja de Cristo tem promessas de eternidade.
Quando começou a paroquiar Vila Fernando a realidade política , económica e social era diametralmente diferente da de hoje. Que diferenças nota na religiosidade das Comunidades desses tempos com as de hoje?
Sim, as realidades eram muito diferentes. Havia mais pobreza, mas havia mais amizade entre as pessoas, ajudando-se umas às outras e convivendo com mais naturalidade; politicamente, era uma ignorância quase total; religiosamente, as pessoas eram mais praticantes e tementes a Deus e menos orgulhosas. O dinheiro ajuda mas não pode resolver, por si mesmo, os problemas da vida e da morte.
Foi responsável pelo início do Ensino da Telescola em Vila Fernando. Como avalia esse tipo de ensino à distância? Concretamente, no caso de Vila Fernando, acha que foi importante na formação dos jovens de então?
O ensino à distância é um remedeio. No entanto, os Postos da Telescola que tinham bons professores a acompanhar os alunos, realizavam um ótimo trabalho. Além do mais, era barato para as famílias.
Era penoso para os alunos que se deslocavam a pé para as suas terras e isso ajudou-os a darem valor ao estudo. Muitos jovens tiveram na Telescola de Vila Fernando uma tábua de lançamento para voos mais altos. Que o digam aqueles e aquelas que o frequentaram.
Enquanto pároco, estimulou grandemente, a vertente cultural na Paróquia, mormente a nível teatral. Como recorda estas vivências?
Naquela data, já lá vão muitos anos, havia muitos jovens e a atividade cultural era-lhes agradável. Não havia muitos convívios e aos jovens sempre agradou a convivência e a partilha de ideias. O teatro e a música cativavam os jovens e as crianças que participavam com alegria, ajudadas pelas famílias que se entusiasmavam com a atuação dos seus filhos. Foram anos de trabalho, mas de muita satisfação interior.
O meu muito obrigado aos jovens e crianças de então, agora, adultos, aos adultos de então, agora avós.
Recordar é viver e fazer memória faz parte da vida.
Que momentos marcaram mais na sua passagem pela Paróquia?
Certamente, foram muitos. Na vida pastoral, queria salientar a participação na Eucaristia Dominical e muitos dos cristãos deslocavam-se a pé, com muito sacrifício. As festas da Primeira Comunhão, Profissão de Fé e celebração do Crisma. As procissões no final do Mês de Maio pelas anexas. O presépio ao vivo que dividiu as opiniões, as celebrações a nível Arciprestal do Dia da Criança, passeios das crianças da Catequese no fim de cada ano e muitas outras atividades que envolviam a Paróquia.
Procurei viver a alegria do Evangelho e levá-lo às pessoas. Nem tudo foram mares de rosas!
O seu antecessor , Padre Júlio, tem fama de ter sido bondoso e dedicado às pessoas. Conheceu-o? Que opinião tem dele?
Conheci-o vagamente, pois faleceu pouco depois. Dele e da sua família fiquei sempre com a ideia de ser gente muito simpática, bondosa e caritativa.
Lembra-se de alguma «figura típica» que recorde em especial?
Lembro-me de algumas pessoas que eram figuras típicas, mas não quero falar de quem já partiu para a Eterna Morada.
Mantém algum contacto com a nossa Paróquia e Freguesia?
Confesso que tive sempre por norma, ao sair de pároco, não meter o nariz onde não sou chamado. Por tal razão, não sei o que se passa na Paróquia. Tenho pelo atual pároco muita consideração e tenho a certeza que faz o melhor.
Como vê o futuro da sua terra- Rochoso? Como vê o futuro da Guarda?
Quanto à minha Terra-Natal- o Rochoso, o seu futuro será igual ao de muitas outras Freguesias do Interior do País. Ficará reduzido a uma Quinta, onde poucos viverão. Cada vez mais, por este andar, será floresta de giestas, mato e silvas que serão matéria-prima, para futuros incêndios na mão de criminosos incendiários. Pode transformar-se em lugar de fim de vida para a terceira idade. Se assim for, nada mau. Estamos a viver o lado mau da emigração.
Quanto à Cidade da Guarda, sempre se aguentará. O seu progresso depende do empreendedorismo dos seus filhos.
A viver no Sabugal, como se sente por lá?
Sim, estou aqui a viver desde outubro de 2007. A Paróquia tem uma casa confortável e dou-me bem com toda a gente. Religiosamente, acompanha os males doutras Comunidades cristãs. Há falta de disponibilidade para servir a Deus e servir os irmãos. Com esta Pandemia, que estamos sofrendo, este lado negativo ainda mais se faz notar. Esperemos dias melhores.
Editou há pouco um livro de poesias. «Caminhando se faz Caminho» Por que razão sentiu necessidade de o escrever?
O livro, o título o diz, é o fruto maduro de uma caminhada que já vai longa. Eu não senti necessidade de o publicar, mas achei que podia ser útil a quem o lesse e meditasse em ordem às suas vidas. Não foi por interesse material, pelo contrário, estou a dá-lo a quem seja capaz de o ler. A sua escrita é como que um diário da minha vida escrito em versos.
Pretendia fazer um lançamento deste livro, numa sessão solene em que o Coro da Paróquia atuasse e fossem declamados alguns poemas, mas a epidemia que nos ataca não permite leviandades. Os poemas, como digo na apresentação, foram escritos em diversas épocas da minha vida sacerdotal, alguns em Vila Fernando.
Que lhe diz Vila Mendo?
Tenho na lembrança que era um povo trabalhador e crente. Agora, não sei como será. Pequeno, certamente; empreendedor, penso que continuará a ser.
Nota, em jeito de desabafo: À construção do edifício do Teatro, ninguém se opôs na data em que foi edificado, pelo contrário, muitos trabalharam, generosamente, para a sua edificação.
A vida das aldeias deu uma volta em cheio, desapareceram as crianças e os jovens e hoje olho com tristeza por me ter metido em tal empreendimento, que será um peso para a Paróquia. Não soube profetizar e perscrutar o futuro. Hoje, não me atreveria a tal empreendimento. Peço desculpa pela minha visão curta em relação ao futuro.
Os mais novos já não se lembram de mim; os mais adultos lembram-se de mim e eu guardo-os no baú das minhas memórias; os que já partiram, Deus os tenha no seu Reino. Peço que me desculpem dos erros cometidos. Um abraço de muito amor para todos.
1 comentário:
A construção do centro paroquial foi uma boa obra. Ter sido no sítio de uma capela antiga é que terá sido um erro.
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