Andava na 3ª ou 4ª classe (não sabe precisar) e invariavelmente depois da escola passava por casa da sua bisavó Purificação Lopes para entretida e paulatinamente transcrever os versos, as quadras e os poemas; as lenga-lengas, as rezas e as estórias para um caderno que guarda religiosamente, mas de que já não encontra uma parte, embora a procure furiosamente uma e outra vez. Recorda com uma saudade nostálgica esses momentos... recorda a ternura e a paciência com que a bisavó esperava que ela escrevesse tudo... recorda as explicações às palavras que não compreendia e que ela aturadamente explanava... Falamos da Paula Pereira que nos deixa, hoje, a Mariquinhas Costureira:
- Mariquinhas costureira
Tão bem sabe costurar,
Dá o ponto miudinho
Já me cá está a agradar
Se me fizesse uma camisa
O pano lhe ia comprar.
- Vá comprá-lo senhor
Eduardo
Eu sou nobre, ganho
dinheiro,
Para a fazer ao seu gosto
Diga como a quer
primeiro.
- Eu quero-a à moda de
caixeiro
Bem sabe a minha oficina
Sabe que na minha loja
Que é a obra muito fina
Sabe que no lugar onde eu
estou
Sou mirado por muita
menina.
- Senhor Eduardo,
Ensine-me a doutrina
E a respeito de bem, não
lhe dê cuidado,
O que eu sou muito
careira,
Mas trabalho apurado.
- Há-de ser minha
namorada
Mariquinhas já precisa
Isto foi um pé de falar
Que eu tenho lá muita
camisa.
- Senhor Eduardo dá-me o
riso,
Com coisa fraca não se
“estrove”
O senhor Eduardo vale
oiro
E eu nem sequer a cobre.
- Mariquinhas para mim é
nobre
Sempre foi do meu intento
Se a Mariquinhas quisesse
Tratávamos do casamento.
- Isso não senhor
Eduardo,
Isso não é para mim
Para levar á Igreja
Quer coisa igual a si.
- O que me acha de ruim
Mais valia estar calada
Decerto que andou de
namoro
E de outro está
escaldada.
Quando em mim vir
falsidade,
Então me dará essa
bofetada.
Mariquinhas dê-me um
beijo
Que um beijo não é muito
Só para ver se eu vou
logrando
Alguma coisa desse
fruto.
- Deus me livre que eu
fosse
À igreja com essa falha
Lá com respeito a beijos
Só se pedem à canalha.
- Quem me dera já casado
Que fosse amanhã ou
depois
Se a Mariquinhas quisesse
Andava o carro diante dos
bois.
- Isso não Senhor
Eduardo,
Isso não lhe posso fazer
Temos tempo ou depois
Se nos chegarmos a
receber.
3 comentários:
Adorei :)
Obrigado por aceitares minha sugestão e por me ajudares a recordar a minha querida bisavô com o pedacinho, do muito que ela me deixou.
Será sempre recordada com muita saudade.
Obrigado a ti por partilhares algo do que a Sra. Purificação te transmitiu.
Ficamos à espera de mais...
E pela poesia também se conhece o viver da "nossa gente". As vivências do namoro / casamento dos nossos avós em nada se assemelha ao de hoje.
Obrigado pela partilha!
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