José Domingos Fonte
Nascido em 16/10/1957, em Vila Mendo. Residente nos Ginetes, concelho de Ponta Delgada, Ilha de S.
Miguel– Açores, desde 1980.
Percurso Académico:
Frequentou a escola de Vila Mendo (até à 4.ª classe), o
colégio de S. João de Deus no Telhal-Sintra (ciclo preparatório) e o Seminário Diocesano de Évora (do 3.º ao 6.º
ano); fez o 7.º ano, como aluno autoproposto, no Liceu da Guarda; aqui concluiu,
em 1979, o Curso do Magistério Primário; em 1994, concluiu a Licenciatura em História e Ciências
Sociais na Universidade dos Açores.
Carreira profissional:
Professor do curso do CPTV- Telescola de 1979 a 1993 na
freguesia de Ginetes; professor do 1.º ciclo de 1994 a 2000 e de 2016 até a presente data. Outras funções ligadas ao ensino: 1.º Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica
Integrada de Ginetes de 2000 a 2016 e onde continua a coordenar vários cargos que
acumula com a atividade docente.
“Hobbies”: desporto- praticante polidesportivo de vários desportos quer
individuais quer coletivos (com exceto da natação). Atualmente pratica
semanalmente futsal e golfe rústico; habilidades artísticas: pinturas murais, cenários para
teatro, cartoons... Devorador de livros sobretudo de ficção/históricos.
Como analisas o actual estado da educação e o papel dos professores?
No contexto atual, a educação (ensino- aprendizagem) está a dar, muito rapidamente, os primeiros passos num modelo que se irá instalar no após Covid 19. A sabedoria popular diz-nos que “a pressa não é sinónimo da perfeição” ou “depressa e bem, não faz ninguém”, pelo que, tenho medo que esta abrupta e repentina mudança na comunidade educativa venha, no futuro próximo, a debater-se com graves problemas. Um dos principais problemas será recuperar a confiança na instituição escola, pelo que prevejo o aumento do abandono escolar precoce. Portugal não irá cumprir as metas preconizadas pela UE. As ofertas formativas são muitas e variadas, mais eficazes para o Secundário/Universitário, onde os alunos já são detentores de capacidades que lhes permitem separar o essencial do acessório, enquanto, nos outros ciclos, estas ainda estão em desenvolvimento ou mesmo em fase embrionária. No Ensino Básico, as ofertas formativas por mais inovadoras/criativas que apresentem a informação, em nada “beliscam” o papel presencial do professor, antes pelo contrário. O sucesso da aprendizagem passa pela relação direta que se estabelece entre o docente e o discente. Os “feedbacks” que nos chegam, quer dos alunos, quer dos encarregados de educação, são no sentido de que a presença física do docente é imprescindível em todos os ciclos do ensino-aprendizagem. Penso mesmo que, no após pandemia, logo a seguir às profissões que estão na “linha da frente” no combate à pandemia, será a classe docente a mais valorizada. Esse reconhecimento partirá dos pais/encarregados de educação que vivem na “pele” o dia a dia de um professor… muitas vezes, apenas com uma criança… e apreendem o significado “Síndrome Burnout”.
Como imaginas a Escola daqui a 20 anos?
Uma das mais valias desta epidemia, na educação (ensino), centra-se na literacia digital. Agora, todos nós fomos obrigados a olhar para os equipamentos informáticos não como instrumentos de lazer, mas como equipamentos de trabalho/aprendizagem. Penso mesmo que, no futuro próximo, o currículo escolar, vigente do Ensino Básico, irá sofrer grandes alterações. A rainha das disciplinas estará na comunicação, pelo que ganham importância a Língua Materna e o Inglês. Em segundo lugar, passarão a valorizar as disciplinas que apelam à criatividade e inovação tanto, artística, como físico-motora. Só depois virá a Matemática alicerçada em conteúdos relacionados com o domínio dos orçamentos domésticos. Já as disciplinas Sociais-Humanas verão a sua importância reduzida, pois, nos próximos tempos, a mobilidade turística será reduzida. Transversal a todas estas disciplinas, irá estar a Informática. Ao nível das vivências sociais, todos nós termos de nos adaptar à nova realidade. O beijo e o abraço em que fomos educados irão passar para o rol dos usos e costumes. O uso de máscara e o distanciamento social passará a ser uma realidade, sobretudo nos centros urbanos. Em Vila Mendo essas proteções apenas serão necessárias aquando da compra de bens que chegam, de vez em quando, à aldeia. A nossa Associação Cultural deverá, desde já, começar a implementar regras de convivência, caso pretenda manter as celebrações das tradições que tão dignamente tem desenvolvido. Já imaginaram os franceses não poderem dar os quatro repenicados beijos?!
Por motivos de trabalho, “emigrei” para os Açores. Sentados no café Madrilena (não sei se ainda existe), eu e o meu primo Manuel Silva debatíamos o distrito escolar onde seria previsível obter colocação num escola, no ano letivo de 1979/80, quando o padre Ardérius, nosso ex-professor, nos aconselhou a concorrer para os Açores. Nessa época, em Portugal continental, obter colocação numa escola do 1.º ciclo era difícil (só quem concluísse o curso do Magistério Primário com média de curso superiores a 16 era colocado). A escolha do distrito de Ponta Delgada foi, apenas, para facilitar a escrita da direção nos envelopes.
Viver nos Açores, nomeadamente em S. Miguel, não é como viver no interior do Portugal. Embora a população esteja a reduzir, são raras as freguesias (não chamamos aldeias) com menos de 1000 habitantes e cada freguesia é, na sua maioria, constituída por um único povoado. O casario, sobretudo branco, estende-se ao longo de uma estrada principal bem asfaltada, muitas vezes, por mais de 4 km e, de quando em quando, há pequenos ramais transversais. No início da década de oitenta, a ilha toda estava eletrificada e a água canalizada vem da década de sessenta. As habitações têm, na sua maioria, muito conforto e são, sobretudo, campeãs em limpeza. Os animais estão nos pastos e são raras as lareiras acesas, pelo que há poucas moscas e a sujidade é mínima. O clima não sofre grandes amplitudes térmicas: varia entre 10 graus no inverno e os 26 no verão. As pessoas dedicam-se, sobretudo, à prestação de serviços e, a grande maioria trabalha na administração pública. A lavoura é a principal atividade relacionada com a exploração do campo. As manadas de vacas são, em grande parte, constituídas por mais de 100 cabeças. O resto dos terrenos estão semiabandonados. O que é pena, pois são muito férteis, não precisam de ser regados para um pé de batateira produzir mais de 20 batatas médias. O turismo está em fase de desenvolvimento acentuado. Com a abertura dos aeroportos às companhias aéreas “low Cost”, vive-se num “boom” de turistas. Eles chegam de todo o mundo. Ilhas de emigrantes estão a passar para terras de imigrantes, pois muitos adquirem casa e por cá ficam. Depois, nesta ilha, temos o mar e a montanha… é só escolher o espaço ajardinado, levar apenas a carne e… comemos churrasco sentados em bancos e mesas acimentadas. Numa frase resumo: os Açores é a natureza em festa, onde ainda imperam as leis básicas ambientais e as paisagens são deslumbrantes!
Saíste de uma zona periférica para outra; que futuro para as comunidades interiores?
Sendo verdade que os Açores distam 1600 km da metrópole e estão dependentes de aviões, só estão a 2 horas de Lisboa/Porto. Já viajei para o continente por menos de 10 euros. Sei que o covid 19 irá afetar esta situação. Pelo que noto, em questões relacionadas com as periferias, há grandes diferenças entre os Açores (S. Miguel e Terceira) e o interior continental. Nestas duas ilhas, esta problemática é menos acentuada. O decréscimo populacional destas ilhas é reduzido e está ligado, não tanto à mobilidade social, mas sim à diminuição da natalidade iniciada nos finais década de oitenta: antes, a média de filhos por casal rondava os oito filhos e, agora, situa-se pelos dois. Raras são as casas desabitadas ou em ruínas e há mesmo carência de habitações para os novos casais. Já nas outras sete ilhas, vive-se intensamente a desertificação, os jovens partem para as universidades e… não voltam. A falta de soluções, nestas ilhas, para colmatar o isolamento e outras necessidades, mesmo as básicas, estão dependentes de fatores que não se dominam: o estado do tempo (ventos e as vagas marítimas) que impossibilitam a navegação aérea/marítima. Nos Açores, são raros os regressos às origens dos que partiram… sobretudo para a América. Já no interior português, de vez em quando, há “carolas” que, fartos dos ambientes citadinos, regressam à terra de origem. No entanto, penso que, “é sol de pouca dura”, os seus descendentes não irão dar continuidade do sonho paterno e irão partir de novo. O adágio “amor e uma cabana” do interior português fica muito aquém dos atuais anseios sociais. O eco do Ensino à Distância nas nossas aldeias prova isso mesmo, quando a internet, um bem social prioritário, está muito aquém do desejado. Se os filhos da primeira geração de emigrantes ainda acompanharam os pais nas vistas de verão à terriola, já as gerações seguintes, raramente, o irão fazer. Hoje, o chamariz principal que leva os emigrantes a visitar a aldeia natal é a “quinta das tabuletas” onde repousam os entes queridos e a possibilidade de caminhar pela natureza na frescura do ar puro, à procura da tapada que está escondida no imenso matagal. Penso que será cada vez mais difícil a vida nas nossas envelhecidas aldeias. Investir no turismo rural parecerá ser uma boa medida. No entanto, o turista, amante da natureza, também quer ver pessoas, conhecer outras realidades, conversar e… se não houver pessoas?! Eu terei medo de caminhar entre o fantasma do casario abandonado! A desertificação veio para ficar… a não ser que pandemias como a que estamos a viver se tornem num “habitué”!
Que potencialidades tem a Guarda e o que achas que lhe falta?
Já não conheço a Guarda. A Guarda do meu tempo, enchia-se de estudantes durante os períodos letivos e, no verão, de emigrantes. Eram célebres os cafés: Madrilena, Mondego, Monteneve e o do Bonfim com o seu prato de moelas… Ah, não posso esquecer a casas dos jogos de bilhar e dos matraquilhos (Prolar e Bola de Prata) sempre cheias de jovens!
A Guarda é um centro urbano. Tem polos atrativos para satisfazer os anseios das gerações atuais. Embora, não tão acentuado, a sua população tenha vindo no sentido descendente, mas não é tão evidente como nas aldeias que a envolvem. Será sempre a primeira “paragem obrigatória” para tudo o que entra em Portugal, por Vilar Formoso. Saibam os egitanienses criar, desenvolver e oferecer vivências tão irresistíveis que, quem por lá uma vez passar, fique com vontade de voltar. Antigamente, conquistavam-se as clientes pela boca: a boa comida e a boa bebida era o suficiente para se ter a casa cheia. Hoje, para além das duas anteriores, teremos de juntar a higienização, a empatia, o sossego, a paisagem… e a condição de poder estar, em qualquer lugar, em contacto com o mundo. A Guarda cidade tem estas condições, mas terá que as estender pelas localidades envolventes, se quiser dar significado à caraterística do ”F” de cidade “farta”! No após coronavírus, vejo a Guarda como um atrativo polo aglutinador de circuitos turísticos que, num raio de 70 km, tem muitas e diversificadas ofertas, uma vez que o receio de ficar dependente, preso no exterior, irá “obrigar” fazer turismo cá dentro!
Quem foi referência na tua infância?
Saí em setembro, ainda com nove anos, pela primeira vez, de Vila Mendo. Memórias desses nove anos são poucas. Os meus “heróis” foram o Manuel Pissarra por me permitir guiar o trator; o Eusébio Soares, por chutar muito alto uma bola de “cauchu”; o Zé Joaquim (barbeiro) quando tocava acordeão; o Manuel Pereira, do Zé Pereira, pela irreverência comportamental, defensor do costume de dar cinturadas nas criança com menos de 15 anos apanhadas fora de casa, após o sol posto; não posso esquecer, o velho ti Zé Bragança pela sua capacidade de contar e recontar, sentado nas suas escadas, os seus contos. Historietas que, mais tarde, usei para motivar os meus alunos; a minha mãe, a ti Prazeres, pela sua capacidade de memorização factual dos acontecimentos; e, finalmente, os três “artistas” que facilmente inovavam/adaptavam para resolver problemas pontuais da comunidade: António Pissarra, António da Miuzela e meu pai Joaquim Domingos. Mas, acima do individual, sobressaía a cooperação da comunitária que, em momentos de necessidade e que só o coletivo permitia colmatar, se unia: as malhas, a tira das batatas, a recuperação da capela… o pôr transitáveis os enlameados caminhos… No período dos dezassete aos vinte e um anos, passei mais algum tempo em Vila Mendo. Desse tempo sobressai o reconhecimento e aceitação da freguesia de Vila Fernando de que, na anexa de Vila Mendo, havia mais valias que a podiam valorizar nos mais variados aspetos. Vila Mendo conquistou Vila Fernando!! As poucas “verdinhas” (20$00) começaram a sobrepor-se às “isabelinhas” e às “azulinhas”, isto é, o poder do copo ou da força musculada, passou ser desvalorizado pelas habilidades/capacidades que os jovens vilamendenses demonstravam. Os meus “novos heróis” passaram a ser: os meus primos Tó Terras pela sua irreverência perante a vida rural e pela astúcia com que se impunha na freguesia e o Manuel Silva pela sua capacidade oratória em expor as suas ideias nas assembleias e o Adérito que, apesar das muitas críticas assertivas, tinha muitas capacidades (era um rapaz dos sete ofícios).
Memórias marcantes desses tempos?
Dos momentos marcantes por mim vividos na nossa aldeia, uns como simples observador e outros como participante ativo, destaco: o início da emigração, sobretudo a minha despedida do meu pai, no alto da Balça; as peripécias do meu primeiro dia de escola; os castigos corporais aplicados aos alunos mais velhos pela regente a lecionar na escola; a luta campal entre os “Cristinas” e os “Pissarras”; a batalha de pedras, em vésperas do Crisma, após a reunião preparatória na igreja paroquial, dos jovens de Vila Mendo contra o resto da freguesia; o arco de boas vindas ao bispo da Guarda da autoria do Sr. António Pissarra e ornamentado sobre a coordenação da minha tia Adoração; a contenda de Vila Mendo versus dr. Crespo pela água da Balça; a ”descoberta” do tabaco americano na quinta de Vale Carros; a intervenção do exército acantonado na casa da senhora Augusta, aquando da recuperação da escola e na abertura da estrada nova para Vila Fernando; a decisão dos jovens em tomar posse da “casa da professora” e torná-la num espaço acolhedor nas noites frias do inverno; a tomada de posição dos jovens vilamendenses em não deixar que a renda da Balça fosse levada pela junta de freguesia; o grito de revolta dos jovens contra a perda do campo de futebol, traduzido num comunicado lido em espaço nobre da Rádio Altitude; a forma subtil de “obrigar” os nossos pais a retirar os carros de bois e dos burros das ruas; a demonstração de espírito de companheirismo entre os jovens vilamendenses traduzido na defesa do bom nome da nossa terra, não só nas “partidas” que, pela calada da noite, fazíamos nas aldeias vizinhas, como também e, sobretudo, na prática de atividades na área do desporto, mas não só no futebol, como também no atletismo, ténis de mesa, xadrez e nos jogos tradicionais. Por último, a instalação da rede elétrica em 1979. Ao nível cultural, destaco o verão de 1974, quando o padre Manuel começou a contar, assiduamente, nas suas peças teatrais, com atores e cenógrafos de Vila Mendo.
Voltarás a Vila Mendo?
Não posso dizer que “dessa água não beberei”, pois adivinhar o futuro é-me proibido, no entanto, está longe das minhas cogitações regressar. Visitas de médico sem dúvida: calcorrear a rua principal, beber água no chafariz, passar pela Capela e virar no largo da escola, são anseios que apertam o coração. Ah, e, se encontrar alguém conhecido para o cumprimentar, será a cereja no topo do bolo!
Que te diz Vila Mendo?
Para mim, Vila Mendo continua e continuará a ser a única de quem eu digo, com emoção, é minha terra. Foi nela que eu nasci e que recebi a educação (ética) que me acompanha na minha vivência social. Vila Mendo está-me no sangue. Ouvir algum “continental” que por aqui passa falar da Guarda, emociona-me, perco a vergonha e meto conversa. Ao abrir o computador, o primeiro site a visitar é o da Associação Cultural que tão bem tens coordenado. Chateado fico, ao saber que conterrâneos meus passaram por esta ilha, muitas vezes a menos de 200 m da minha casa e nem se dignaram dizer um simples olá!
3 comentários:
Parabéns Zé Domingos por me teres reavivado a memória de diversas situações vividas na nossa juventude.
recordar é viver.
Bom trabalho,primo.Boas memórias...Parabens!
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